Parte das arquibancadas de Interlagos vai parecer um estádio de futebol em dia de jogo pela Copa Libertadores neste domingo (3), com brasileiros e argentinos entoando seus cânticos durante o GP São Paulo de F1 —marcado para as 14h, com transmissão da Band. As motivações de cada grupo, porém, serão claramente distintas.
Se a torcida da casa será embalada por um sentimento de nostalgia, despertado pelas celebrações em homenagem ao legado de Ayrton Senna no ano em que sua morte completa três décadas, os fãs de automobilismo do país vizinho exibirão uma renovada conexão com o esporte: o jovem Franco Colapinto, 21, ingressou na disputa já na reta final da temporada e deu fim a um período de 23 anos sem argentinos na categoria.
Desde a confirmação de que Colapinto assumiria a vaga do norte-americano Logan Sargeant na Williams, no fim de agosto, houve um aumento na procura argentina por ingressos para a prova em Interlagos. As agências de turismo que comercializam pacotes para a corrida estimam que 2.000 argentinos viajaram ao Brasil para apoiar o compatriota. A Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo) registrou um aumento de 25% nos voos da Argentina ao Brasil.
“Eu sabia que os argentinos são muito apaixonados em relação aos esportistas do país. Estou muito feliz com isso. É louco pensar que isso está acontecendo comigo. Há dois meses, eu nem pensava em estar correndo na F1”, disse o piloto.
A Argentina tem tradição na F1, sobretudo pelos cinco títulos conquistados por Juan Manuel Fangio, na já distante década de 1950, mas não tinha um piloto no Mundial desde 2001, quando Gastón Mazzacane fez apenas quatro corridas pela hoje extinta equipe Prost.
Colapinto devolveu o país à categoria e tem sido uma das surpresas da perna final do campeonato. Logo em sua segunda etapa, no Azerbaijão, conseguiu um oitavo lugar, somando os seus primeiros pontos. Nos GPs de Singapura, Estados e México, ficou, respectivamente, em 11º, 10º e 12º.
Embora intermediárias, as posições são melhores do que os resultados que Sargeant vinha registrando. Em 14 corridas neste ano, o melhor resultado do norte-americano foi um 11º no GP da Grã-Bretanha. Nas demais, sempre ficou da 14ª colocação para trás.
Recentemente, o chefe da Williams, James Vowles, disse ter “conversas amigáveis” com a Red Bull, que demonstrou interesse no argentino. O próprio piloto, porém, não acredita que terá uma vaga em 2025 e espera ter uma chance em 2026. “É meu objetivo, por isso estou fazendo o que posso corrida a corrida.”
A presença dele no grid, assegurada pela Williams até a última corrida deste ano, fez a Argentina voltar a ter interesse em entrar para o calendário da F1. Durante o fim de semana do GP São Paulo, Daniel Scioli, secretário de Turismo, Ambiente e Esporte do governo Javier Milei viajou ao Brasil para conversar com a Liberty Media.
Alan Adler, promotor da etapa brasileira, acredita que a proprietária da F1 tenha um olhar “especial” para o mercado sul-americano, mas vê o calendário inchado e as regras para receber um GP como obstáculos para o interesse da Argentina.
“A régua hoje está muito alta. Para você receber uma corrida, tem que cumprir diversas exigências da FIA [Federação Internacional de Automobilismo], principalmente para homologar um circuito”, afirmou.
Gerenciando a organização do GP São Paulo desde 2021, Adler tem buscado inovações para manter vivo o interesse do público brasileiro sem poder contar com um piloto do país para atrair os fãs. Para a etapa deste ano, ele tem duas apostas: a criação de uma “fan zone” e, como tem sido nos últimos anos, o resgate do passado glorioso do Brasil no campeonato.
Nas semanas que antecederam a corrida, o rosto de Senna se tornou bastante presente na cidade. Sua história foi retratada, por exemplo, em um trem da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), que teve a sua composição envelopada com grafites inspirados em momentos de sua trajetória. O trem está em circulação na Linha 13-Jade e no trecho Expresso Aeroporto.
A voz de Ayrton também está novamente ao alcance dos fãs em uma exposição no Parque Ibirapuera, onde um capacete com tecnologia de condução óssea reproduz falas do piloto. A peça ficará exposta até o dia 17 de novembro.
A mais aguardada das homenagens, contudo, ocorreu neste sábado (2), quando o inglês Lewis Hamilton, fã declarado do tricampeão, pilotou em Interlagos a icônica McLaren MP4/5B, com a qual Senna ganhou o segundo de seus três títulos mundiais, em 1990.
Depois de Ayrton Senna, nenhum brasileiro foi capaz de despertar a mesma idolatria. Rubens Barrichello e Felipe Massa pilotaram carros com chances de vitória e até de título, mas ficaram longe do mesmo sucesso e não conquistaram o Mundial.
O Brasil não tem um titular na F1 desde 2017, quando Massa deixou a categoria. Quem esteve mais próximo foi Pietro Fittipaldi, neto do bicampeão Emerson Fittipaldi, que fez duas provas em 2020 como reserva da Haas, posto que mantém até hoje. O país atualmente tem outro reserva na categoria, Felipe Drugovich, na Aston Martin.
No momento, porém, é outro piloto que desponta com maior chance de ganhar uma vaga para a temporada de 2025. Trata-se de Gabriel Bortoleto, 20, atual campeão da F2 e vinculado à McLaren. Embora ele tenha poucas chances pilotar o carro laranja no próximo ano, a escuderia já admitiu que não vê problema em emprestá-lo para uma rival.
Há uma vaga aberta na Sauber/Audi, já que Nico Hulkenberg é o único piloto confirmado para o próximo ano, e o nome do brasileiro é um dos cogitados.
Se ele for o escolhido, o Brasil terá mais do que a nostalgia para celebrar na próxima temporada da F1.