A guerra na Ucrânia completou 1.000 dias e é marcada por uma escalada significativa das tensões. A Rússia lançou um novo tipo de míssil balístico intercontinental contra alvos críticos ucranianos e flexibilizou o uso de armas nucleares. A medida foi uma resposta à autorização dos EUA de uso do armamento de alto alcance do país pela Ucrânia. A leitura de especialistas é que o governo Biden está escalando a guerra antes da posse de Donald Trump, que deve tentar um acordo de paz.
Confira a conversa que tive com o Valdir Bezerra, mestre em relações internacionais, Sandro Teixeira, doutor em ciências militares, e Paulo Molinari, consultor da Safras&Mercado, sobre os efeitos geopolíticos, militares e no mercado de grãos, fertilizantes e petróleo.
O que muda na guerra a partir do uso desses mísseis americanos de longo alcance, esses armamentos inéditos de fato configuram uma escalada, uma piora perigosa dessa guerra na Europa?
Valdir Bezerra: Já se passaram mais de 1.000 dias de guerra, a gente tem um novo momento hoje, um momento, sim, de escalada, um momento preocupante. Eu quero chamar atenção para o fato de que a Rússia no dia 19 lançou uma nova doutrina de uso de armas nucleares. A doutrina anterior estava em vigência desde o ano 2000. Nessa nova, a Rússia considera que um ataque ao seu território vindo de um Estado não nuclear que tenha tido a ajuda de um país nuclear é uma espécie de agressão conjunta. Então, a Rússia interpretou que essa permissão dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha da Ucrânia usar mísseis de longo alcance do tipo ATACMS e também do tipo Storm Shadow significa agora que a Rússia está sendo atacada por esses três países: pela Grã-Bretanha pelos Estados Unidos e pela própria Ucrânia. E a Rússia também, nessa nova doutrina, se reserva o direito de usar armas nucleares em vista desse tipo de ataque. Então a gente está no novo momento da guerra, momento preocupante.
Estamos num limite para que outros países da Otan ou até outras nações sejam mais diretamente envolvidas nesse conflito?
Sandro Teixeira: Sem dúvida, é um momento extremamente preocupante. É um momento que a gente tem visto uma tentativa ucraniana de criar uma nova questão para tentar mudar a lógica da guerra porque, desde fevereiro, eles vêm perdendo o território ucraniano para os russos. Os russos vêm avançando desde fevereiro com ganhos consolidados. Em agosto, nós tivemos a ação em Kursk tentando tomar território russo para criar uma modelagem, mudar o aspecto de eventuais negociações de paz diante de um cenário de uma presidência de Donald Trump. O fato é de que agora a gente está no momento mais tenso porque, com a autorização da utilização de mísseis táticos do exército americano, que são os ataques, da utilização também de minas terrestres que foi autorizado também nessa semana pelo governo Biden, o que parece é que o governo em Kiev e a Casa Branca, a administração que está saindo, parece tentar criar uma situação na qual amarre as mãos da administração que vai assumir, tente impedir um eventual plano ou negociação de paz por parte da administração Trump.
Quando, cerca de 1.000 dias atrás, a gente viu o início dessa guerra entre Rússia e Ucrânia, os mercados agrícolas sofreram mudanças importantes nos patamares de preço. Preços subiram, houve preocupação sobre fornecimento de fertilizantes, de diesel. Que impactos essa perigosa escalada da guerra neste momento já causa ao mercado agrícola, focando aqui em grãos?
Paulo Molinari: A Rússia é o maior exportador de trigo. Nós dependemos de combustíveis, nós dependemos de fertilizantes da Bielorrússia, o KCL vem da Bielorrússia. Então, nós estamos aqui monitorando duas variáveis diretas: o preço do petróleo, porque enquanto o preço do petróleo não tiver uma reação muito forte, quer dizer que o mercado está entendendo que isso pode ser uma ação delicada, perigosa, mas ainda não é trágica a ponto de impacto no preço do petróleo, que aí puxa preço dos combustíveis, preço do óleo de soja, preço do etanol. Aí, consequentemente, a soja e o milho podem embarcar no mesmo processo. Se a Rússia não conseguir fazer as suas exportações de trigo, o mercado de trigo vai ter a sua consequência. Lembre-se que hoje nós temos um trigo de um pouco abaixo de US$ 6 por bushel e nós chegamos a mais de US$ 15 por bushel no meio da pandemia. E, com a guerra, as restrições globais em relação à economia russa. Será que essas decisões de agora também não irão impor mais restrições econômicas e comerciais à Rússia, não é? Está chegando o inverno europeu, é outro fator problemático, né? Então, de forma geral, o agravamento de tudo isso pode, sim, trazer em impactos parecidos com aqueles que nós vivemos lá no meio da pandemia e no início da guerra da Ucrânia.
*Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Jovem Pan.