O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central ignorou a pressão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e indicou que pode manter a taxa básica de juros (Selic) no atual patamar – o maior em seis anos – por um “período prolongado”, ou até mesmo elevá-la.
“Considerando a incerteza ao redor de seus cenários, o Comitê segue vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa básica de juros por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação”, diz comunicado publicado na noite de quarta-feira (22) após a manutenção da Selic em 13,75% ao ano pela quinta reunião consecutiva – a segunda desde o início do governo Lula.
Embora o petista venha cobrando redução da taxa desde o início do ano, a manutenção dos juros nesta semana era esperada pela ampla maioria dos analistas de bancos e consultorias. O que chamou atenção foi o aviso do Copom de que mais adiante pode até mesmo “retomar o ciclo de ajuste” – isto é, elevar a Selic – se a inflação não cair dentro do esperado.
“O Comitê enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados e não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado”, afirma o texto.
O comunicado do Copom vê possibilidade de baixa na inflação em casos como uma queda adicional (em reais) dos preços das commodities; uma desaceleração mais forte na economia global, por causa de problemas no sistema bancário; e uma desaceleração mais forte no crédito aqui no Brasil.
Porém, o colegiado deu mais atenção ao aumento das expectativas de inflação desde a reunião anterior, realizada no início de fevereiro. A mediana das projeções do mercado indica IPCA próximo de 6% ao fim deste ano e de 4,1% em 2024 – em ambos os casos, acima das metas anuais, de 3,25% e 3%, respectivamente. O Copom também chamou atenção para “a incerteza sobre o arcabouço fiscal e seus impactos sobre as expectativas para a trajetória da dívida pública”.
A decisão do Copom provocou protestos de entidades como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e de aliados do governo, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR).
A CNI afirmou que a manutenção da taxa é “desnecessária para o combate à inflação e apenas traz custos adicionais para a atividade econômica”. Gleisi fez questionamentos diretos ao presidente do BC, Roberto Campos Neto: “Você não entendeu seu compromisso com o Brasil? Seus juros só beneficiam rentismo e quem não produz”.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse considerar “preocupante” o comunicado do BC. Apesar de o texto mencionar as incertezas sobre o arcabouço fiscal, cuja apresentação foi adiada por ordem de Lula, o ministro entendeu que a indefinição não afetou a decisão do Copom.
Juros reais do Brasil são os maiores do mundo
Segundo a Infinity Asset, o juro real (descontada a inflação) do Brasil é o maior dentre as 40 principais economias do mundo. A diferença entre a taxa de juros DI a mercado e a inflação projetada para os próximos 12 meses é de 6,94%, de acordo com o levantamento, à frente de México (6,04%) e Chile (4,92%).
Na média dos 40 países, o juro real é negativo – isto é, menor que a inflação – em 1,92% ao ano. Nos Estados Unidos, que nesta quarta voltaram a elevar a taxa básica, o juro real é de 0,36% ao ano.
As reações do mercado à decisão do Copom
As projeções de bancos, corretoras e casas de investimentos para a Selic nos próximos meses variam bastante. Segundo o relatório Focus, do Banco Central, há quem espere uma taxa de 10,75% ao ano em dezembro e também há quem veja o juro mantido em 13,75% até lá. A mediana das apostas é de 12,75% ao ano, o que indica um corte de 1 ponto porcentual até o fim do ano.
Da mesma forma como os palpites variam bastante, as reações à nota do Copom também foram variadas.
Sérgio Goldenstein, estrategista-chefe da corretora Warren Rena, manteve sua previsão de que a Selic comece a cair em junho e termine o ano em 11%. Porém, disse que aumentou a chance de que a taxa não mude até lá ou que só comece a cair nas últimas reuniões de 2023, “tendo em vista o tom duro do Copom, a elevação das projeções de inflação e o risco de o novo arcabouço fiscal não ser visto como crível”.
O Bradesco entende que o Copom segue indicando pouco espaço para corte de juros. Mas apontou que o comunicado da decisão “é compatível” com sua expectativa de que o ciclo de queda dos juros comece no segundo semestre, com a Selic fechando o ano em 12,25%.
O economista-chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso, entendeu que o comunicado do Copom foi “sóbrio porque reconhece novos riscos no radar que poderiam ser considerados baixistas para taxa de juros”, mas que tais riscos “não foram suficientes para o BC alterar o plano de voo neste momento, reforçando o compromisso com as metas”.
Para a Nova Futura Investimentos, o Copom mostrou “conservadorismo maior que o antecipado” e “seguirá com a postura de esperar e observar” até que as incertezas diminuam e que o arcabouço fiscal justifique uma revisão de postura. “Por enquanto, não vemos motivos para mudar nosso cenário e esperamos que a taxa Selic siga em 13,75% até setembro de 2023, pelo menos”, apontou o economista-chefe, Nicolas Borsoi.
A XP Investimentos interpretou que a decisão do BC e seu comunicado são consistentes com seu cenário de Selic em 13,75% até o fim do ano. “Reconhecemos, porém, que caso a economia desacelere mais do que o esperado, poderemos observar um ciclo de flexibilização gradual a partir do segundo semestre”, escreveu Caio Megale, economista-chefe.