Em sintonia com o discurso já manifestado por ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), a Polícia Federal tem como principal linha de investigação a hipótese de que Francisco Wanderley Luís, responsável pelas explosões em frente ao edifício-sede da Corte na semana passada e que morreu ao detonar um dos artefatos, não agiu sozinho, como afirmam políticos aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Dentro dessa linha, há duas vertentes: uma de que, para cometer o ato, contou com a ajuda direta de outras pessoas que financiaram e ajudaram a preparar um atentado que, no limite, buscaria matar ministros do STF, em especial Alexandre de Moraes; ou, ao menos, que agiu sob influência ou provocação de amigos ou mesmo desconhecidos, no ambiente virtual por exemplo, para materializar um ato extremo de revolta contra o tribunal e seus integrantes.
A hipótese de que Francisco agiu de forma isolada, como um “lobo solitário”, é a mais remota, na avaliação dos investigadores da PF, que trabalham no caso em colaboração com policiais judiciais do STF. O incêndio tocado em sua casa, no domingo (17), em Rio do Sul (SC), pode ainda reforçar a hipótese de participação, ainda que indireta, de outras pessoas.
A Polícia Civil de Santa Catarina acredita que de Tiu França, como ele era conhecido na cidade, tenha colocado fogo no imóvel numa tentativa de, assim como ele, de se matar. A PF não descarta possível envolvimento dela, ainda que como cúmplice, no atentado ao STF – em depoimento, ela disse que o ex-marido queria matar Moraes.
Outra hipótese, também considerada neste caso, é que ela não tenha aguentado a pressão, por passar a ter a vida vasculhada em busca das provas sobre o caso. Antes do incêndio, policiais federais fizeram busca e apreensão na casa, à procura de materiais, anotações ou pistas sobre a preparação de Francisco para detonar as bombas em Brasília.
Um dos investigadores disse à reportagem que, ao que tudo indica, Francisco era uma pessoa “muito perturbada psicologicamente”, o que o tornava suscetível a incentivos para atos violentos, por meio de cooptação ou manipulação. A investigação, por isso, busca confirmar se ele foi influenciado e estimulado por discursos radicais ao realizar as explosões no DF.
Um dos objetivos era ouvir novamente a ex-mulher, para saber, por exemplo, quando Francisco passou a se comportar de forma diferente. Não há garantia de nova oitiva, porque ela está em estado grave em razão das queimaduras e só teria sobrevivido porque um vizinho a retirou do imóvel em chamas.
A PF também vai periciar a fundo o celular de Francisco, que estava num trailer próximo da Câmara dos Deputados. Segundo um investigador, haverá uma devassa nos grupos de WhatsApp em que ele era membro. Mesmo pessoas com quem ele não tenha conversa direta e individual terão mensagens verificadas. Essa apuração, segundo esse investigador, deverá gerar “grande desespero” entre os alvos.
Por fim, a PF já pediu a Alexandre de Moraes, que assumiu a relatoria da investigação no STF, quebra de sigilos fiscal, telemático e bancário de Francisco. A autorização para os investigadores acessarem suas transações bancárias, e-mails e redes sociais é aguardada para esta semana.
O objetivo da PF, aliás, é pegar firme na investigação, uma nova “caça às bruxas”, que servirá para desestimular qualquer novo ataque. O caso é tratado como terrorismo, o que levou a corporação a convocar policiais que conhecem o assunto para colaborar no inquérito.
Ameaças aos STF após as explosões
Os agentes da Polícia Judicial do STF também cooperaram com a investigação, não apenas detalhando como ocorreu a abordagem a Francisco na última quarta, mas também repassando à PF ameaças que chegam diretamente à Corte, por e-mails, mensagens ou cartas.
Imagens de mais de 400 câmeras do STF estão sendo analisadas para verificar se houve aproximação de mais alguém ou se o autor das explosões teve ajuda de outra pessoa no trajeto. Uma das gravações que está com a PF mostra que ele chegando no estacionamento às 19h26. O atentado ocorreu por volta das 19h32.
Até o momento, não foram encontradas ligações entre Francisco e envolvidos na invasão e depredação do edifício-sede em 8 de janeiro de 2023. Desde esse episódio, a Segurança do STF já reuniu cerca de mil mensagens de violência dirigidas aos ministros; só após o atentado, foram ao menos 8 e-mails, com novas ameaças e textos de enaltecimento ao ato de Francisco.
Como mostrou a Gazeta do Povo na semana passada, um desses e-mails continha a seguinte mensagem: “Esclarecemo-vos que Francisco Luiz, agora no céu junto com o Pai, foi apenas um dos inúmeros mártires de nossa luta contra vós, a escória satânica do STF. Não descansaremos até acabar com a escória de Satanás”, dizia o texto, acompanhado de uma foto com livros religiosos e uma pistola.
O e-mail foi enviado por um autor anônimo, a partir de uma conta no servidor protonmail, hospedado no exterior e que promete privacidade aos usuários – a Segurança do STF já conseguiu, mesmo assim, com ajuda da PF e do Ministério da Justiça, rastrear de onde partem mensagens como essa.
Fora isso, a PF já encontrou centenas de mensagens de apoio a Francisco nas redes sociais – o que pode estimular outros atentados; e já mapeou novas ameaças, mas mantém rigoroso sigilo sobre os alvos dessas investigações, justamente para evitar fugas ou destruição de rastros.
Outra fonte de preocupação foi o fato de, provavelmente por coincidência, o atentado ter ocorrido perto da reunião do G20, que reúne líderes das maiores economias do mundo no Rio de Janeiro nesta semana. Os indícios encontrados até o momento indicam que ele escolheu o 13 de novembro por anteceder a celebração da Proclamação da República.
De qualquer modo, a notícia da explosão deixou atônitos membros do governo brasileiro e de outras delegações internacionais que já estavam no Rio desde a semana passada – a forma escolhida, com explosivos presos ao corpo, lembra ataques terroristas já ocorridos em outras partes do mundo. Também chamou a atenção o fato de Francisco ter ido trajado com um paletó com estampas de cartas de baralho, uma possível alusão ao vilão Coringa.
No STF, a visão dos seguranças e dos ministros é que Francisco queria detonar explosões dentro do edifício-sede, que estava cheio no momento do ataque. A sessão de julgamentos – sobre as restrições de operações policiais em favelas no Rio – havia terminado pouco tempo antes.
Quando as explosões ocorreram, estavam no edifício-sede apenas Barroso, Edson Fachin e Cristiano Zanin – os três foram retirados da sala de lanches, atrás do plenário, por seguranças. Moraes já estava em seu gabinete, num anexo mais protegido.
Francisco levava consigo quatro bombas caseiras, feitas em canos de PVC com pólvora e pregos dentro, além de um temporizador. Havia a suspeita de que ele poderia ter armado bombas no interior do STF – foi encontrada uma foto dele no plenário e imagens dele dentro da Câmara – para detoná-las à distância. Por isso o edifício-sede da Corte foi isolado durante a madrugada e a manhã de quinta para uma varredura completa, em busca de artefatos.
Uma hipótese considerada é que Francisco também queria matar outras pessoas com as explosões. Mas, como rapidamente foi cercado, desistiu do plano inicial, jogou um dos explosivos na praça e se atirou em cima. Com ele foram encontradas uma manta embebida em gasolina, que ele tentou jogar na estátua da Justiça, e um extintor de incêndio com gasolina pressurizada, com o qual ele poderia ter lançado labaredas de fogo à distância. Outras três bombas caseiras foram encontradas num trailer perto da Câmara. No carro estacionado no local, havia fogos de artifício.
A casa que ele alugou em Ceilândia, na periferia de Brasília, estava, na descrição de policiais, “armadilhada”, ou seja, cheia de explosivos prontos para ser detonados ao menor toque. Para os investigadores, a intenção seria justamente matar policiais que entrassem no local. A varredura inicial foi feita com robôs antibombas. O diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, informou depois que uma gaveta gerou uma “explosão gravíssima” ao ser aberta por um desses equipamentos.
No espelho do banheiro estava escrito com batom o nome de Débora Rodrigues, mulher que pichou a estátua da Justiça em 8 de janeiro de 2023. “Por favor, não desperdice batom! Isso é para deixar as mulheres bonitas. Estátua de merda se usa TNT”, dizia a mensagem deixada por Francisco.
Por conta disso, Rodrigues pediu que a investigação ficasse a cargo de Moraes, o que foi prontamente atendido pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso.
O pedido de investigação chegou como uma petição apartada dentro do inquérito aberto em 2021 para investigar os atos contra a Corte ocorridos no 7 de Setembro de 2021. Na época, vários caminhões adentraram a Esplanada dos Ministérios. Agentes de inteligência alertaram que havia caminhoneiros dispostos a furar o bloqueio da Polícia Militar, em frente ao Itamaraty, para descer a rampa da Praça dos Três Poderes e derrubar o edifício-sede do STF.
Desde então, o STF tem investido em mais segurança, o que se intensificou após o 8 de janeiro de 2023. Atualmente, o sistema de monitoramento por câmeras emite alertas à medida que pessoas se aproximam dos edifícios do complexo, incluindo anexos onde trabalham servidores, onde ficam os gabinetes dos ministros e os plenários das duas turmas da Corte.
Após o atentado, as grades de metal voltaram a ser instaladas em volta da sede e a entrada de visitantes ficou mais rigorosa, com um pente-fino sobre qualquer material que entra por meio do raio-X.