O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, oficializou nesta quarta-feira (1) o nome da advogada Angela Vidal Gandra Martins à frente da Secretaria de Relações Internacionais da capital, cargo anteriormente ocupado por Marta Suplicy. Ex-secretária Nacional da Família no governo Bolsonaro, sendo a “número dois” da pasta de Damares Alves, Gandra é um nome conhecido da extrema direita e da articulação antiaborto, tanto no Brasil quanto em fóruns internacionais.
Doutora em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e professora na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Gandra possui relações com a extrema direita também em sua costura familiar. Ela é filha do jurista Ives Gandra, professor emérito na Escola do Comando e Estado Maior do Exército, e irmã de Ives Gandra Martins Filho, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em 2020, o nome de Ives Gandra Filho foi ventilado como o preferido entre os militares para substituir, por indicação de Bolsonaro, Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal (STF). Tanto o pai quanto o irmão são membros da entidade católica ultraconservadora Opus Dei.
Em junho de 2023, o nome de Ives Gandra foi associado aos atos golpistas do mesmo ano, após ser encontrada, no celular do ex-tenente-coronel e ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, uma tese sobre a utilização do artigo 142 com orientações que ajudavam a fundamentar juridicamente uma tomada de poder pelas Forças Armadas.
Durante seu trabalho no governo Bolsonaro, Angela Gandra coordenou a Secretaria Nacional da Família dentro do ministério liderado por Damares Alves. Ela é apontada como uma das principais articuladoras para a inclusão do Brasil no chamado Consenso de Genebra, um documento criado em 2020 por Donald Trump e assinado por 36 países contrários à adoção de leis internacionais pró-aborto.
“O documento é um compromisso histórico de um grupo diverso de países em avançar na promoção da saúde das mulheres (…) afirmando o valor da vida em todos os estágios de desenvolvimento e assegurando o direito soberano das nações em legislar sobre o aborto e a preservação da vida”, disse Angela Gandra em novembro de 2022, em discurso na capital estadunidense para celebrar dois anos do acordo. O Brasil deixou a aliança em 2023 sob forte demanda dos movimentos populares.
A jurista participou também do lobby antiaborto nos EUA e foi listada, em 2022, entre os amici curiae que participaram, com embasamento e argumentações, da decisão da Suprema Corte que enrijeceu as normas sobre aborto no país e entregou aos estados a decisão sobre sua legalização.
Em 2021, a imprensa abordou a proximidade entre Angela Gandra e grupos ultraconservadores da Polônia. Durante a pandemia de covid-19, a então secretária de Bolsonaro cruzou o oceano para defender, em Varsóvia, a decisão que restringiu o aborto naquele país. Há ainda registros de reuniões diplomáticas conduzidas por Gandra na Polônia. As despesas da viagem foram pagas pelo Instituto Ordo Iuris, outra organização conservadora.
Outra articulação conservadora global da qual Gandra participa é a Political Network for Values (Rede Política para os Valores), presidida pelo líder da ultradireita chilena, José Antonio Kast.
Centro antiaborto
O Centro de Reestruturação para a Vida (Cervi), com sede em São Paulo, é uma associação com atuação há mais de 25 anos em todo o Brasil e busca, basicamente, dissuadir mulheres de abortar por meio da oferta de auxílio e suporte durante a gestação e depois dela.
Há relatos, porém, de argumentações enganosas e assédio às gestantes para evitar que a opção pelo aborto seja feita mesmo em casos previstos por lei. De acordo com reportagem da Agência Pública, o centro, que recebeu ao menos R$ 170 mil em emendas parlamentares, manteve relações com Angela Gandra durante todo o governo Bolsonaro, com ao menos dez encontros registrados entre 2019 e 2022, a maioria em seu então gabinete em Brasília.
Edição: Nicolau Soares