Uma apresentação a respeito de “negócios verdes em terras indígenas” na mesa de conciliação sobre o marco temporal do Supremo Tribunal Federal (STF) gerou incômodo em representantes dos povos originários.
A exposição foi feita pelo advogado Flávio Roberto dos Santos, do escritório MoselloLima, que representa o Sindicato Rural de Porto Seguro (BA), participante de uma das ações em discussão como amicus curiae. O encontro aconteceu em 2 de outubro.
A apresentação falava sobre Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) e créditos de carbono.
Ela mostrava como seria possível receber dinheiro por serviços ambientais, detalhando os possíveis ganhos por manter a floresta em pé ou restaurar regiões. A apresentação mostrou, por exemplo, que um hectare gera em média de 120 a 140 créditos de carbono e que essa área de floresta em pé pode render cerca de R$ 3.500 por ano ao seu proprietário.
A apresentação também incluiu tabelas de remuneração dos programas Reflorestar, do Espírito Santo, e Valoriza Territórios Sustentáveis, do Pará.
Lideranças indígenas que acompanham a mesa se incomodaram com a exposição, que viram como sintoma da descaracterização da comissão. Segundo eles, o espaço deveria ser usado para discutir a constitucionalidade do marco temporal e não possibilidades de negócios.
O advogado disse ao Painel que a comissão discute a lei 14.701/2023, que trata não apenas de marco temporal, mas também de outros assuntos relacionados a terras indígenas que são objeto de demarcação.
“A comissão é o espaço para discutir sobre o tema da apresentação, posto que trata das possibilidades jurídicas que ali estão sendo apresentadas/discutidas”, diz Santos.
Ele afirma que a exposição não trata de marco temporal nem de troca de vantagens financeiras, mas “apresenta possibilidades de arranjos sustentáveis, atrelados a preservação ambiental e benefícios às comunidades indígenas”.
Por fim, acrescenta que a Funai, na reunião seguinte, também fez apresentação sobre crédito de carbono e pagamento por serviços ambientais da própria autarquia.
As lideranças indígenas afirmam à coluna que a exposição de Lúcia de Andrade, representante da Funai, não falava de “oportunidades de novos investimentos” como a do escritório de advocacia, mas somente explicava o funcionamento do Pagamento por Serviços Ambientais.
Em abril, o ministro do STF Gilmar Mendes suspendeu todas as ações na Justiça que tratam da lei do marco temporal das terras indígenas e determinou a criação da comissão de conciliação.
A Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) abandonou a mesa em agosto, apontando inconstitucionalidade e discriminação nas conversas, além de falta de igualdade entre as partes e transparência.
Mesmo com a saída do grupo, o STF optou por dar continuidade à mesa, e Gilmar Mendes solicitou ao Ministério dos Povos Indígenas a indicação de cinco representantes.
Segundo a tese do marco temporal, os povos indígenas teriam direito de ocupar apenas as terras em que estavam ou disputavam na promulgação da Constituição de 1988.
Em setembro de 2023, o STF decidiu que a data não pode ser utilizada para definir a ocupação tradicional da terra pelas comunidades indígenas.
A comissão de conciliação é vista por grupos indígenas como uma maneira de abrir brecha para rever a decisão da própria corte.
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