Agência marcou reunião sobre o tema para as 10h; empresa dos irmãos Batista pede subsídio de cerca de R$ 12 bi para assumir distribuidora
A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) marcou para as 10h de 3ª feira (8.out.2024) uma reunião extraordinária para tratar do recurso da Âmbar Energia –braço do grupo J&F no setor energético– para assumir a Amazonas Energia. A pauta ocorre 1 dia depois de uma decisão de uma juíza federal do Amazonas que pediu que a agência reguladora aprove a transferência da distribuidora para o grupo dos irmãos Batista. Contudo, o Poder360 apurou que a reação de integrantes da Aneel é de que a decisão estava mal redigida.
A transferência da distribuidora para a Âmbar tem consumido meses da diretoria da Aneel. Embora a agência entenda a necessidade de transferir a Amazonas Energia para um novo operador depois que o grupo Oliveira não conseguiu tornar a empresa sustentável, existe uma discordância quanto aos valores que devem ser aportados para ajudar a tornar a operação da distribuidora não deficitária.
A decisão da justiça do Amazonas causou confusão principalmente por não dar clareza a qual plano da Âmbar se referia. A empresa do grupo J&F já apresentou 3 propostas para assumir a concessionária de energia do Amazonas. Em manifestação enviada à autora da decisão, a Associação dos Consumidores de Energia da Região Norte diz que a proposta mais atual da J&F é de um subsídio de cerca de R$ 12 bilhões para tornar a Amazonas sustentável economicamente em 15 anos. Eis a íntegra (PDF – 97 kB).
Em junho, o governo editou a MP (medida provisória) 1.232 de 2024 que garante que, em caso de transferência do controle da Amazonas, a nova operadora terá 15 anos de flexibilizações de vários indicadores que impactam a tarifa e também de alguns custos operacionais. Essa despesa será repassada para a CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), um encargo cobrado de todos os consumidores por meio das contas de luz.
Essa vantagem despertou o interesse da Âmbar para assumir a concessão, mas a empresa e a Aneel ainda não chegaram a um acordo do valor que será disponibilizado para alavancar essa operação. As partes correm contra o tempo pois a MP perde a validade em 10 de outubro.
Em um 1º momento a Âmbar solicitou uma ajuda de R$ 15,8 bilhões, que foi negada pela Aneel, e depois apresentou uma proposta de R$ 14 bilhões, que também não agradou a agência. A Aneel então apresentou um plano de R$ 8 bilhões ao longo dos 15 anos, mas dessa vez a parte que ficou insatisfeita foi a Âmbar.
No recurso protocolado na Aneel, a Âmbar pede que a agência aprove o plano de transferência de controle apresentado pela empresa para a “efetiva recuperação da Amazonas Energia”. O pedido prevê um aporte de capital imediato de cerca de R$ 6,5 bilhões para que a distribuidora reduza seu endividamento, superior a R$ 10 bilhões, e atinja desde já os indicadores econômico-financeiros exigidos pela regulação.
Os custos e planos
A principal discussão sobre a aprovação da transferência da Amazonas Energia é o custo com as flexibilizações de despesas setoriais que a transferência traria aos consumidores de energia elétrica do país, por meio da conta de luz.
Eis os planos e custos até aqui:
- Na proposta original feita em julho pela J&F o custo com essas flexibilizações à CCC chegaria a R$ 15,8 bilhões em 15 anos;
- Na semana passada, em 26 de setembro, a empresa fez mudanças na proposta que reduziriam o custo para a CCC em R$ 1,79 bilhão. Ou seja, o impacto cairia para R$ 14 bilhões;
- O plano alternativo da Aneel, elaborado pela área técnica e aprovado em 1º de outubro, limitava esse ressarcimento a R$ 8 bilhões. A empresa, no entanto, recusou assumir a distribuidora sob esses termos e disse que o modelo é inviável para recuperar a concessão;
- Em recurso protocolado na Aneel em 2 de outubro, a empresa apresentou nova proposta com aporte imediato de R$ 6,5 bilhões na distribuidora.
O Grupo J&F informou que protocolou recurso na Aneel pedindo a aprovação do seu plano. Defendeu que só ele “viabiliza a efetiva recuperação da Amazonas Energia”. Diz ainda que “todos os planos desenhados no passado para recuperar a Amazonas Energia falharam e a Âmbar busca evitar a repetição desses erros”.
“Não há ganho maior para os consumidores de energia do que a solução definitiva da situação da Amazonas Energia, que enfrenta um cenário operacional único em termos de distribuição geográfica, índice de furtos e inadimplência. Por isso, o plano apresentado pela Âmbar é o caminho mais viável para evitar o agravamento da insegurança energética para os consumidores do Amazonas e o acúmulo de prejuízos para a União”, afirmou a empresa.
Entenda o imbróglio da Amazonas Energia
A Amazonas Energia é a concessionária de distribuição no Estado do Norte. Desde antes da sua venda, em 2018, da Eletrobras para a Oliveira Energia, já apresentava um elevado nível de endividamento e inadimplência com obrigações setoriais. Em novembro de 2023, a Aneel recomendou ao governo a extinção (caducidade) da concessão.
A situação de insustentabilidade da Amazonas Energia perdura por décadas, acumulando perdas de mais de R$ 30 bilhões em 20 anos. Só com as térmicas da Eletrobras Eletronorte que forneciam para a distribuidora –e que também foram vendidas para o grupo J&F–, a dívida ultrapassa R$ 10 bilhões.
Além de problemas antigos da distribuidora, o Amazonas enfrenta um problema sério com os furtos de energia. Como mostrou o Poder360, a taxa de perdas não técnicas, os chamados “gatos”, supera o volume de fornecimento para todo o mercado de baixa tensão no Estado.
Quando foi privatizada, em 2018, o governo deu à nova gestão da Amazonas 5 anos de prazo para colocar a concessão de pé. Neste período, as principais metas regulatórias exigidas da distribuidora foram flexibilizadas, evitando penalidades e garantindo a operação. No entanto, o prazo acabou em maio deste ano e a situação, em vez de melhorar, piorou.
A transferência do controle, a preço simbólico e com regras mais flexíveis, foi a alternativa mais viável encontrada pelo governo federal para salvar o serviço de distribuição de energia no Amazonas. As alternativas, que seriam a caducidade da concessão ou intervenção na empresa, trariam elevados custos para os cofres públicos e para as contas de luz.
A MP 1.212 exigiu que qualquer proposta pela Amazonas Energia precisa passar pela Aneel, a quem cabe avaliar se o plano atende às regras. A agência pode fazer exigências adicionais para autorizar o termo aditivo do contrato, que precisará “prever as condições para promover a recuperação da sustentabilidade econômico-financeira do serviço de distribuição de energia elétrica, com vistas a obter o menor impacto tarifário para os consumidores”.
De acordo com a MP de junho, se houver a transferência do controle da Amazonas, ficarão novamente flexibilizadas metas regulatórias e custos operacionais por 3 ciclos tarifários, ou seja, 15 anos. Dentre eles estão:
- custos operacionais;
- taxa de perdas não técnicas (furto de energia);
- taxa de inadimplência.
Enquanto os custos operacionais serão compensados pela CCC, as metas mais leves de perdas e de inadimplência afetam o valor das contas de luz no Estado. Esses indicadores são levados em conta pela Aneel na fixação das tarifas. Quando estão acima do limite, a distribuidora é penalizada. No caso da Amazonas, há maior tolerância.
Leia a cronologia do caso e as íntegras dos documentos:
- 20.jul.2023 – portaria (PDF – 438 kB) do MME cria grupo de trabalho para estudar o problema da Amazonas Energia;
- 21.nov.2023 – despacho (PDF – 153 kB) da Aneel recomendou ao MME a caducidade da concessão da Amazonas;
- 22.fev.2024 – grupo de trabalho do MME publica relatório (PDF – 2 MB) dando ao governo 3 caminhos para resolver o problema: A) caducidade do contrato, B) intervenção na distribuidora e C) adoção de medida legislativa flexibilizando novamente regras para a Amazonas Energia e solucionando custos operacionais da empresa;
- 13.jun.2024 – governo federal publica a MP 1.232 (PDF – 151 kB), que autoriza nova flexibilização de custos da Amazonas e a possibilidade de transferência da empresa para outro grupo econômico, por valor simbólico, como alternativa à caducidade;
- 1º.jul.2024 – Amazonas submete a Aneel a proposta de transferência feita pela Âmbar/J&F por meio de 2 fundos de investimentos do grupo (documento com teor da proposta é sigiloso);
- 23.set.2024 – juíza federal do Amazonas de 1º grau concede liminar (PDF – 320 kB) em atendimento a distribuidora determinando que a Aneel aprove a proposta de transferência em até 48 horas a partir da notificação (entregue em 25.set, às 16h40);
- 24.set.2024 – superintendências técnicas da Aneel emitem nota técnica (PDF – 2 kB) que recomenda a rejeição da proposta de transferência e reforça indicativo de caducidade;
- 26.set.2024 – Amazonas Energia informa a Aneel sobre mudanças na proposta original da Âmbar/J&F já no final da noite. Uma nova alteração foi apresentada no dia 27 de setembro (documentos sob sigilo);
- 27.set.2024 – Aneel faz reunião extraordinária para julgar processo diante do prazo dado pela Justiça, mas diretoria não chega a consenso e votação termina empatada. Foram 2 diretores contra, seguindo o voto (PDF – 937 kB) do relator, Ricardo Tili. E 2 a favor da transferência, conforme o voto divergente (PDF – 506 kB) da diretora Agnes Costa;
- 28.set.2024 – Amazonas Energia entra com nova ação (PDF – 183 kB) na Justiça do Amazonas pedindo que a adoção, em caráter liminar, de medidas interventivas na agência para aprovação da transferência, como dar ao diretor-geral voto de minerva ou o direito de emitir decisão monocrática sobre o caso;
- 1º.out.2024 – Aneel forma maioria para aprovar um plano de transferência alternativo, elaborado pela área técnica, com regras mais duras e custo menor para a CCC. Grupo J&F terá 24 horas para dizer que topará assumir a concessionária sob os novos termos;
- 2.out.2024 – Âmbar rejeita o plano alternativo da Aneel e entra com recurso pedindo a aprovação de uma nova proposta, com custo R$ 2 bilhões menor.