O bolsonarista que tentou atacar o Supremo prestou um duplo desserviço à causa a que servia. Primeiro, jogou um balde de fogo quente no ímpeto pela anistia do 8 de Janeiro. Segundo, renovou a exposição do DNA da turma no momento em que ela procura normalização.
Com isso, perde acima de tudo Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente que havia tentado emprestar a legitimidade das urnas americanas a seu ídolo, Donald Trump, e empregá-la em seu próprio favor.
No raciocínio de Bolsonaro, se tal coisa é estruturada assim, a vitória inequívoca de Trump antecipava o clima de 2026 e a inevitabilidade da reversão não da pena dos condenados pela intentona de 2022 em Brasília, mas sim de sua própria inelegibilidade.
O argumento da anistia tem eco até no PT, como prova a fala do vice-presidente da sigla, Washington Quaquá, de que ela poderia “reconciliar o país” —sugerindo aí a utilidade de ter Bolsonaro no páreo em 2026 para Lula.
O histórico de vaivéns das convicções do Supremo, prisão em segunda instância que o diga, dava argumentos para o campo bolsonarista crer que a anistia de seu líder era possível, ainda que não houvesse sinais de fato disso no campo jurídico.
Importa pouco: para Bolsonaro, se Trump voltou, ele voltará. A votação expressiva do campo conservador e de centro nas eleições municipais, apesar e não por causa do ex-presidente, foi igualmente sequestrada pela retórica da acomodação.
Faltou combinar com seus apoiadores, formados por franjas radicalizadas como a de Francisco Wanderley Luz, que resolveu se explodir quando viu que não conseguiria danificar nem a estátua da Justiça vendada à frente do Supremo.
O malabarismo argumentativo de Bolsonaro e outros depois do ataque mira o raciocínio de que Luz era um maluco motivado pela injustiça do mundo à sua volta, cujo ataque inspira “reflexão”.
Qualquer indivíduo que decide se explodir em público é merecedor de apoio psicológico, é evidente, mas daí a torná-lo uma versão do Coringa de Todd Phillips, vivido pelo oscarizado Joaquin Phoenix no filme de 2019, é um exagero desmedido —mesmo o equivocado roteiro que vitimizava o vilão.
A comparação com outro malvado da DC, o Charada do “Batman” de Matt Reeves (2022), parece mais precisa. Ali, a justificativa por assim dizer moral e social dos atos do terrorista era exposta como psicopatia, ampliada pela toxicidade do ambiente.
No filme B em curso em Brasília, a tragédia do candidato derrotado a vereador pelo PL de Bolsonaro em 2020 acaba por expor as cores envergadas pelo pessoal da “festa da Selma”. Violência política, algo que nunca deixou a paisagem brasileira, é normalizada entre eles como um meio lícito.
Quem nunca ouviu de um conhecido algo como “tinha de matar todos esses políticos”? Por óbvio, 99,9% de quem profere esses vitupérios não mataria nem uma formiga, mas os restantes da equação, como Luz, talvez.
Se o incidente da quarta (13) não retira da discussão a severidade das penas de Alexandre de Moraes ou os eventuais abusos da sua cruzada contra o golpismo e as fake news, certamente o ministro do Supremo sai com fôlego renovado do episódio.
Sua fala nesta quinta (14) sugere a combatividade por vir, sendo péssima notícia para um Bolsonaro que, como sempre na garupa de Trump, buscava acelerar rumo a 2026.