Durante as eleições de 2024, por mais de uma vez o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) demonstraram publicamente divergir sobre as estratégias eleitorais para eleger o prefeito da maior capital do país.
Para além das discordâncias, interlocutores afirmam que o ex-presidente e o governador mantêm ótima relação e nunca tiveram conflitos no trato pessoal.
Apesar disso, a vitória de Tarcísio em São Paulo no ano passado e a consolidação dele como líder da direita, enquanto Bolsonaro está inelegível, levantam a possibilidade de um futuro dilema em 2026, já que o governador é o principal nome para substituir o ex-presidente na corrida ao Planalto, avaliam especialistas entrevistados pela Folha.
“O saldo eleitoral de 2024 é ruim para Bolsonaro porque suas candidaturas mais diretas saíram derrotadas e seu peso diminuiu. […] Nesse contexto, Tarcísio segue sendo o principal nome para substituí-lo”, avalia a pesquisadora e analista política Júlia Almeida.
Publicamente, Tarcísio mantém apoio ao padrinho político. O governador afirma que concorrerá à reeleição em São Paulo e que o candidato à Presidência será Bolsonaro. Mas as falas não são garantias de que o cenário não mudará.
A antropóloga e coordenadora do centro de pesquisas Observatório da Extrema Direita, Isabela Kalil, avalia que tudo depende do contexto político e social que o país enfrentará nos próximos anos.
“O posicionamento vai depender dos desdobramentos do inquérito [da Polícia Federal]. É provável que, até as eleições, ele mantenha essa posição ambígua. Mas, a partir do momento que Bolsonaro for um risco para a imagem de moderado [de Tarcísio], é possível que ele se descole”, diz a antropóloga.
“Não vou entrar em bola dividida com Bolsonaro”, declarou em 2023 o governador quando ainda se aventava a possibilidade de o ex-ministro Ricardo Salles (então no PL, hoje no Novo) concorrer à Prefeitura de São Paulo.
A bola dividida, no entanto, foi e voltou várias vezes, e Tarcísio se mostrou o fiel da balança ao manter apoio a Ricardo Nunes (MDB) durante a campanha de 2024.
Bolsonaro resistia ao nome de Nunes, fez aceno à candidatura de Pablo Marçal (PRTB), mas, no final, perdeu a queda de braço que acontecia nos bastidores, sendo pressionado a apoiar a chapa de Nunes, na qual escolheu o candidato a vice-prefeito, Ricardo Mello Araújo (PL), coronel da reserva da PM.
Em determinado momento, quando Nunes caiu nas pesquisas eleitorais, o ex-presidente pediu que Tarcísio afastasse a própria imagem do prefeito para que não se prejudicasse.
Durante a campanha, ainda, o governador chegou a ligar para Bolsonaro, incomodado com as declarações do pastor Silas Malafaia, que disse desconfiar que Tarcísio atuasse nos bastidores para que o ex-presidente continuasse inelegível, permitindo que ele próprio se lançasse ao Planalto.
Antes das eleições municipais, em 2023, o ex-presidente declarou que havia discordâncias entre ele e o governador.
“Não está tudo certo. Eu não mando no Tarcísio. Ele é um baita de um gestor. Politicamente, dá suas escorregadas. Eu jamais faria certas coisas que ele faz com a esquerda”, disse Bolsonaro em entrevista à Rádio Gaúcha.
O episódio aconteceu depois que o governador apareceu junto do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), após uma reunião em que selou acordo pela reforma tributária.
Em reserva, fontes ligadas ao governador de São Paulo dizem que Bolsonaro e Tarcísio são pessoas diferentes e que discordam em alguns pontos relativos à política, sobretudo na área ideológica, mas nunca perderam a amizade.
Uma prova seriam os pernoites do ex-presidente no Palácio dos Bandeirantes durante as visitas à capital paulista. Interlocutores de Bolsonaro e de Tarcísio veem como improvável a candidatura ao Planalto em 2026 do atual governador.
“Há duas questões em disputa. A primeira é a chance eleitoral. Sua candidatura articula um arco amplo da extrema direita e da direita, mas uma eventual derrota também o tira do governo de São Paulo. Nesse sentido, a sinalização de Kassab [PSD] pós-eleições, colocando o apoio a Lula em 2026 e a necessidade de adiamento da candidatura do Tarcísio para 2030, é um problema, assim como as pesquisas eleitorais atuais que colocam Lula como vitorioso em qualquer cenário em 2026”, analisa Júlia Almeida.