A depredação provocada por manifestantes bolsonaristas, defensores de um golpe de estado, nas sedes dos Três Poderes, em Brasília, completou dois anos nesta quarta-feira (8). E para relembrar a gravidade dos episódios e reforçar a importância da democracia, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), realizou uma cerimônia no Palácio do Planalto com participação de autoridades.
“Ainda estamos aqui”, disse o presidente em alusão ao filme de Walter Salles, baseado no livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva. E seguiu. “Estamos aqui para dizer que estamos vivos e que a democracia está viva ao contrário do que planejavam uma intentona golpista de 8 de janeiro de 2023. Estamos aqui mulheres e homens, de diferentes origens, crenças, partidos e ideologias, unidos por uma causa em comum. Estamos aqui para dizer em alto e bom som: ditadura nunca mais, democracia sempre””, disse Lula.
Antes, de improviso, o presidente chamou os articuladores da tentativa de golpe de “um bando de aloprados” e se referiu ao plano que envolvia o assassinato dele próprio, do então vice-presidente eleito Geraldo Alckimin, e do então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes.
“Eu escapei de uma tentativa junto com o ‘Xandão’ e o Alckimin”, declarou, brincando com o apelido atribuído ao ministro do STF. “Eu fico imaginando se tivesse dado certo a tentativa de golpe deles, o que iria acontecer nesse país? Eles estavam pensando em matar o presidente do Tribunal Eleitoral, o vice-presidente da República e a mim, e nós conseguimos escapar”, disse Lula.
Além dos ministros do governo e da primeira-dama Janja Silva, estiveram presentes os chefes das Forças Armadas, o comandante do Exército general Tomás Paiva; da Aeronáutica, o brigadeiro Marcelo Damasceno, e da Marinha, o almirante Marcos Olsen. O senador e vice-presidente do Senado Federal, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) participou em representação do Congresso, e o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, representou a Corte.
Os ministros Carmen Lúcia, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Herman Benjamin, que preside o Tribunal Superior de Justiça (TSJ) também estiveram presentes, além de Alexandre de Moraes e do decano do STF, Gilmar Mendes. Os governadores do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, Ceará, Elmano de Freitas, e da Bahia, Jerônimo Rodrigues também prestigiaram o ato.
Edson Fachin leu uma carta do presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, que está em viagem no exterior. “Relembrar esta data constitui também o esforço para virarmos a página, mas sem arrancá-la da história, a maturidade institucional exige a responsabilização por desvios dessa natureza. Ao mesmo tempo, porém, estamos aqui para reiterar os nossos valores democráticos, nossa crença no pluralismo e no sentimento de fraternidade”, leu o ministro as palavras de Barroso, que defendeu punição sobre os crimes de 8 de janeiro.
“A democracia é o regime da tolerância, da diferença do pluralismo, do dissenso, mas não é direito assegurado pela Constituição atentar contra as condições de existência da própria democracia. A violência se coloca fora desse pacto e deve ser sancionada, de acordo com a nossa legítima Constituição”, escreveu Barroso.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que também se encontra fora do país, divulgou nota sobre os dois anos do que considerou “ataques criminosos contra os prédios dos Três Poderes e a nossa democracia” e reafirma a importância dos atos desta quarta-feira. “Parabenizo o governo federal e todas as instituições envolvidas nas cerimônias que reforçam a vigília em defesa do regime que considero ser o mais justo e equânime na representatividade popular e social”, escreveu.
Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia
Durante o ato desta quarta, o presidente Lula assinou o decreto de criação do Prêmio Eunice Paiva de Defesa da Democracia, uma iniciativa do Observatório da Democracia da Advocacia-Geral da União (AGU). A premiação vai homenagear anualmente pessoas que tenham contribuído, por meio de sua atuação profissional, intelectual, social ou política, para a preservação, restauração ou consolidação da democracia no Brasil. Da mesma forma, a AGU destaca que o prêmio prestigia a trajetória da advogada, defensora dos direitos humanos e viúva do ex-deputado federal Rubens Paiva, morto pela ditadura militar.
A história de Eunice Paiva é retratada no filme Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles, com interpretação de Fernanda Torres.
O decreto assinado por Lula nesta quarta estabelece que a AGU deverá publicar um ato normativo, ainda no primeiro trimestre de 2024, o detalhamento da implementação do prêmio, como os critérios de seleção que serão utilizados.
Ato simbólico com movimentos pró-democracia
Encerrada a cerimônia na parte interna do Palácio do Planalto, o presidente Lula e as autoridades presentes desceram a rampa e se encontraram com manifestantes pró-democracia que se aglomeravam na Praça dos Três Poderes. A manifestação foi convocada por movimentos populares e partidos políticos que fazem parte das frentes Povos Sem Medo e Brasil Popular.
Ceres Hadich, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) destacou a simbologia dos atos desta quarta-feira após dois anos dos maiores ataques às instituições e ao povo brasileiro.
“A gente está presente, a gente está unido, e a gente vai defender hoje e sempre a democracia no nosso país, como um passo importante para defendermos também um projeto popular para o nosso país. É uma determinação de ação política do próprio governo e do povo não aceitar ataques à nossa democracia e ataques àquilo que foi tão duramente construído ao longo dos anos pelo povo brasileiro”, disse Hadich.
Em diversos momentos do ato, foram cantadas consignas contrárias à anistia aos crimes cometidos no dia 8 de janeiro de 2023, e que tramitam no Congresso Nacional. “A gente veio aqui reafirmar nosso compromisso com a democracia, abraçar a democracia, e dizer não à anistia. A gente defende que é preciso que se respeite o devido processo legal, a presunção de inocência, mas é preciso punir todos aqueles e aquelas que atentaram democracia e destruíram o patrimônio dos brasileiros”, declarou Anderson Amaro, do Movimento de Pequenos Agricultures (MPA).
O deputado federal Tarcísio Motta (Psol-RJ) afirmou que a bancada do partido segue firma na oposição a qualquer iniciativa que busque anistiar os atos de 8 de janeiro e que exigirá do próximo presidente da Casa uma posição clara em torno do tema.
“Nós vamos fazer esse debate, inclusive durante os debates para a eleição da Presidência da Câmara, para inclusive, poder arrancar de Hugo Motta [candidato favorito a presidente da Casa], o compromisso de não avançar nesses projetos. Anistia é inadmissível”, disse o parlamentar. “É preciso que a justiça brasileira responsabilize, respeitando todo o amplo direito de defesa de todos, mas essas pessoas precisam ser responsabilizadas. Não cabe anistia para uma tentativa de golpe em meio à democracia. Precisa ser responsabilizado até para que nunca se esqueça e nunca mais aconteça”, afirmou o psolista.
Os ataques de 8 de janeiro de 2023 na Praça dos Três Poderes levaram à prisão pelo menos 1.430 pessoas. De acordo com informações do STF, 310 pessoas foram condenadas, acusadas de envolvimento nos atos golpistas, sendo 229 por executarem os atos e 81 por incitá-los. As condenações variam entre 15 anos e 17 anos de prisão, por crimes de associação criminosa armada, dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado. Outras 500 pessoas assinaram acordo de não persecução penal e seus processos foram encerrados, de acordo com levantamento da Procuradoria-Geral da República.
Obras restauradas
O ato desta quarta marcou ainda o fim da operação de restauro, com a devolução de 21 obras de arte e históricos ao acervo do Palácio do Planalto que foram vandalizadas nos episódios de 8 de janeiro de 2023. Entre elas, o relógio de pêndulo do século 17, que foi dado de presente pela Coroa Francesa à Coroa Portuguesa, durante o reinado de Dom João VI. O item foi restaurado na Suíça, segundo o governo, sem custo ao Estado brasileiro. Também foi reexposto ao público o quadro Mulatas, do pintor modernista Di Cavalcanti, que havia sofrido diversos cortes.
“A gente está recuperando elementos, símbolos, bens que dizem sobre o que é o Brasil, que falam sobre o que somos. São peças de artistas que conseguiram expressar a nossa cultura e tradição. Quando a gente devolve esses bens à população, a gente está dizendo: ‘nós cuidamos do que é de todos’”, declarou o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass.
Veja a lista de obras restauradas e devolvidas ao acervo do Palácio do Planalto nesta quarta-feira (8):
» Relógio de mesa, de Balthazar Martinot e André Boulle
» Ânfora italiana em cerâmica esmaltada
» Escultura O Flautista, de Bruno Giorgi
» Escultura Vênus Apocalíptica Fragmentando-se, de Marta Minujín
» Quadro com a pintura Mulatas, de Emiliano Di Cavalcanti
» Quadro com pintura do retrato de Duque de Caxias, de Oswaldo Teixeira
» Quadro representando galhos e sombras, de Frans Krajcberg
» Quadro com a pintura Fachada Colonial Rosa com Toalha
» Quadro com a pintura Casarios, de Dario Mecatti
» Quadro com a pintura Cena de Café, de Clóvis Graciano
» Quadro com a pintura Paisagem, de Armando Viana
» Pintura de Glênio Bianchetti
» Pintura de Glênio Bianchetti
» Pintura de Glênio Bianchetti
» Pintura de Glênio Bianchetti
» Pintura de Glênio Bianchetti
» Quadro com a pintura Matriz e Grade no primeiro plano, de Ivan Marquetti
» Quadro Rosas e Brancos Suspensos, de José Paulo Moreira da Fonseca
» Tela Cotstwold Town, de John Piper
» Tela de Grauben do Monte Lima
» Tela Bird, de Martin Bradley
Edição: Nathallia Fonseca