Para os checadores, não existe checagem de fatos feita pelo governo, porque o processo necessariamente precisa ser independente e apartidário
PATRÍCIA CAMPOS MELLO
SÃO PAULO, SP
Agências de checagem de fatos acusam o governo Lula (PT) de “apropriação indevida” e “politização do combate à desinformação” pelo lançamento no último sábado (25) do site BrasilContraFake, supostamente de checagem de fatos, pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência.
Em tuíte no domingo (26), o presidente Lula caracterizou a iniciativa como uma “plataforma de checagem de informações e combate à desinformação”.
“O Brasil sofreu muito com mentiras nas redes sociais nos últimos anos. Precisamos fortalecer uma rede da verdade. O @govbr lançou nesta semana uma plataforma de checagem de informações e combate à desinformação.”
Para os checadores, não existe checagem de fatos feita pelo governo, porque o processo necessariamente precisa ser independente e apartidário.
Além disso, dizem, o site não segue os princípios básicos da checagem, como indicar de onde foram retiradas as informações usadas nas checagens e qual é a metodologia usada para determinar a veracidade, além de ter transparência no processo de escolha do conteúdo que será verificado.
“Temos reservas a essa iniciativa. Não sabemos se essa plataforma adotará os critérios da IFCN [International Fact-Checking Network], que baliza o trabalho das agências de checagem em todo o mundo”, diz Alexandre Gimenez, responsável pelo UOL Confere.
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“Também existe uma questão ética envolvida, já que parte do trabalho de uma agência de checagem é verificar informações divulgadas pelo próprio governo.”
A Agência Lupa aponta que alguns conteúdos “verificados” são, na realidade, notas de “esclarecimento” do governo.
Em publicação sobre o aumento do desmatamento em fevereiro, afirma a Lupa, o governo confirma que os dados são verdadeiros (sem apresentar nenhum link para as bases de dados relevantes sobre o tema), mas diz que “políticas públicas ambientais são marcadas pela efetividade a médio e longo prazo, e não imediata”.
“Ou seja, a nota apenas tenta eximir o governo de responsabilidade pelos resultados atuais”, diz a agência.
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“Isso não é checagem de fatos, é assessoria de comunicação do governo”, diz Daniel Bramatti, editor do Estadão Verifica. “O governo tem o direito de esclarecer informações erradas sobre políticas públicas, mas isso não é checagem, não queremos uma Fakebras, uma visão estatal sobre o que é fato e o que não é.”
A plataforma veicula também desmentidos de relatos falsos relacionados ao governo, como o boato de que o Executivo teria determinado o fechamento das comportas da transposição do rio São Francisco, mas não aponta para as fontes originais nas quais a versão correta poderia ser encontrada.
Ao desmentir a afirmação falsa de que Lula teria sido impedido de entrar no avião presidencial e no Palácio do Alvorada, o site usa a própria Secom como fonte, dizendo: “Que fake news bolsonaristas alimentem ilusões dos seus seguidores é antidemocrático e um desrespeito de quem divulga essa mentira”.
Além disso, o BrasilContraFake também apresenta conteúdos baseados em verificações dos sites de checagem Fato ou Fake, Aos Fatos e Lupa, com referência e link direto. Mas alguns deles nem sequer foram consultados.
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“Trata-se de uma apropriação indevida do conceito de checagem de fatos e do conteúdo de checadores”, diz Natália Leal, diretora-executiva da Agência Lupa, cujas checagens foram citadas sem autorização.
Para Leal, o site do governo vai criar uma confusão sobre o que é a verificação de fatos, além de enfraquecer os checadores de verdade.
“É contraditório para um governo que tem tratado o combate à desinformação como prioridade fazer essa politização do combate à desinformação”, diz a diretora-executiva da Lupa.
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Segundo Paulo Pimenta, ministro da Secom, a intenção da plataforma nunca foi ser uma agência de checagem de fatos nem concorrer com os checadores.
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“Estamos apenas reunindo esclarecimentos de informações falsas sobre diversos ministérios e medidas do governo. Não fazemos checagem, até porque somos governo, não somos isentos”, disse à reportagem.
Indagado sobre o fato de a plataforma se apresentar como sendo de “checagem de informações”, ele disse que a Secom pode ajustar o nome para algo como “conferência de informações” para eliminar a confusão.
Em relação ao uso não autorizado do conteúdo dos checadores, Pimenta diz que o site apenas cita as verificações como fontes e dá crédito. “Reconhecemos a importância do trabalho dos checadores, que fazem um serviço de utilidade pública.”