Vôlei de praia aos pés da torre Eiffel. Hipismo nos jardins do Palácio de Versalhes. Skate e estreia do breaking na Place de la Concorde, onde o rei Luís 16 e a rainha Maria Antonieta foram decapitados durante a Revolução Francesa. É assim que Paris planeja Jogos Olímpicos e Paralímpicos dos sonhos: unindo a tradição de uma das cidades mais belas do mundo à realeza do esporte.
Caminhando pela capital francesa, nem parece que daqui a 500 dias começa o maior evento multiesportivo do planeta. Em frente à prefeitura, os símbolos dos Jogos –os anéis olímpicos e os agitos paralímpicos– atraem turistas e curiosos, mas não há grandes obras de construção de arenas. Planejamento atrasado? Nada disso.
Usar lugares icônicos como cenário costuma ser uma receita de sucesso de anfitriões olímpicos. Paris tem opções de sobra e quer integrar as competições à cidade, gerando menos custo do que em edições anteriores e indo ao encontro da meta do Comitê Olímpico Internacional de ter Jogos mais enxutos. Do total de instalações esportivas, 70% já existem e 25% serão temporárias. Só uma será construída do zero: o Centro Aquático Olímpico de Saint Denis que vai receber polo aquático, saltos ornamentais e nado sincronizado e ficará de legado.
“Um dos motivos pelos quais Paris teve sucesso na candidatura foi o fato de ter instalações fantásticas e infraestrutura prontas, sem precisar de grandes novas construções”, informou à Folha o Comitê Organizador Paris-2024.
“Vamos entregar um novo modelo de Jogos baseado na tradição através de inovação e imaginação. Usando instalações existentes, estabelecemos um novo padrão e demonstramos que é possível organizar uma celebração espetacular priorizando economia, social e sustentabilidade.”
“Usando arenas famosas mundialmente e criando outras temporárias no coração da cidade, promovemos o melhor da França.” Duas delas têm relação com o Brasil, por motivos diferentes: o Stade de France, onde a seleção perdeu a final da Copa de 1998, vai receber atletismo e rúgbi; Roland Garros, onde Gustavo Kuerten foi tricampeão, será o cenário do tênis e do boxe.
Os Jogos impulsionaram reformas de vias e espaços públicos, locais de treinamento e competição. Um grande projeto de expansão do metrô foi acelerado, e joias da arquitetura francesa estão sendo renovadas –caso do Grand Palais, que será sede da esgrima e do taekwondo.
A Catedral de Notre Dame, atingida por um incêndio em 2019, não estará totalmente recuperada a tempo, mas terá uma exposição aberta ao público.
Paris vai reinventar a cerimônia de abertura, que pela primeira vez não será em um estádio. O desfile dos atletas será em barcos no rio Sena, com 600 mil espectadores em um percurso de seis quilômetros.
Com 10.500 atletas nos Jogos Olímpicos e 4.400 nos Paralímpicos em um evento onde tudo é superlativo, multidões geram preocupação com segurança. O caos na final da Liga dos Campeões entre Liverpool e Real Madrid no Stade de France, no ano passado, quando a polícia atingiu torcedores com spray de pimenta e gás lacrimogêneo, deixou lições e acendeu um sinal de alerta.
Além disso, há meses milhões de franceses têm ido às ruas protestar contra a reforma da Previdência, projeto do governo que pretende alterar a idade mínima da aposentadoria de 62 para 64 anos. A data dos 500 dias para os Jogos será marcada por mais uma série de greves em todo o país. As paralisações têm afetado o funcionamento de escolas, o sistema de transportes ferroviário e aéreo, o fornecimento de combustível das refinarias e até o trabalho dos garis, deixando toneladas de lixo acumuladas nas ruas de Paris.
Há ainda a questão financeira. A guerra na Ucrânia deixou a economia global mais frágil e, historicamente, orçamentos olímpicos não são cumpridos. Um estudo recente revelou que os Jogos poderiam custar aos franceses até 3 bilhões de euros (R$ 16,8 bilhões) em dinheiro público, três vezes mais que na época da candidatura.
Como referência, o custo total da Olimpíada do Rio, em 2016, segundo o TCU (Tribunal de Contas da União), foi de R$ 43,75 bilhões, em valores da época, sendo R$ 21,52 bilhões em recursos públicos (R$ 37,56 bilhões em valores corrigidos).
A invasão da Rússia à Ucrânia também traz uma controvérsia esportiva. Ucranianos ameaçam boicotar Paris-2024 se russos e belarussos não forem banidos. O COI deu a entender que atletas dos dois países poderiam disputar os Jogos como neutros, sem bandeira ou hino.
Para Heather Dichter, professora de Gerenciamento e História do Esporte na Universidade de Montfort, os maiores prejudicados em boicotes acabam sendo os atletas.
“A maioria só compete uma vez nas Olimpíadas, [atletas como] Michael Phelp ou Usain Bolt são a exceção. Se a chance é tirada deles, muitos nunca mais terão outra oportunidade”, disse à Folha.
“Boicotes com objetivo político raramente dão resultado. O de Moscou em 1980 [liderado pelos Estados Unidos em retaliação à invasão soviética ao território afegão] não fez com que a União Soviética deixasse o Afeganistão.”
“Teve, sim, impacto financeiro no número de turistas e venda de ingressos na União Soviética. Desta vez, não seria um boicote ucraniano ao país-sede, e a França está alinhada com a Ucrânia.”
A pressão internacional cresce. Em uma carta, mais de 30 países incluindo a anfitriã França expressaram preocupação com “fortes ligações entre atletas russos e suas Forças Armadas” e pediram explicações ao COI.
“Será interessante ouvir os atletas daqui para frente. A voz deles teve muito poder em 2020 para que os Jogos de Tóquio fossem adiados por causa da pandemia”, afirmou. “Ucranianos estão se manifestando, mas ouvir outros competidores ao redor do mundo pode servir para pressionar por uma mudança de postura do COI, que sempre diz que os Jogos são para os atletas.”