O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diluiu o setor da CGU (Controladoria-Geral da União) relacionado ao combate à corrupção e passou a priorizar o uso do órgão para trabalhos de prevenção e transparência.
A remodelação da CGU, que vem sendo feita sob o comando do ministro Vinícius de Carvalho, extinguiu a Secretaria de Combate à Corrupção e rebaixou a Diretoria de Operações Especiais a uma coordenação localizada dentro do gabinete de outra estrutura na pasta.
O setor de operações especiais, que integrava a extinta secretaria, promove investigações de combate a desvios e mau uso de recursos públicos.
Oficialmente, a CGU tem dito que, mesmo com a mudança, a função de combate à corrupção “permeia todo o trabalho da Controladoria-Geral da União”. No entanto, servidores ouvidos pela Folha reservadamente apontam que, na prática, o tema foi colocado em segundo plano.
Eles afirmam que, tanto nos estados como em Brasília, houve a substituição em postos-chave de pessoas especializadas na área de combate à corrupção por servidores relacionados a prevenção e transparência.
A CGU é o órgão responsável pelo controle interno do governo federal. Tem como funções a atuação na defesa do patrimônio público, na prevenção e combate à corrupção e no incremento da transparência de gestão.
Parte das atribuições da Secretaria de Combate à Corrupção foi deslocada para a recém-criada Secretaria de Integridade Privada, que incentiva boas práticas no setor privado para prevenir irregularidades.
Os acordos de leniência de empresas e os processos que pretendem responsabilizar companhias por atos lesivos contra a administração pública também ficam a cargo dessa secretaria.
A respeito dessa área de atuação da CGU, Vinícius de Carvalho já fez críticas às elevadas multas aplicadas a empresas em acordos de leniência previstas na Lei Anticorrupção.
Outra parte do antigo setor de combate à corrupção foi deslocada para a Secretaria Federal de Controle Interno, que é responsável pelas auditorias. É num gabinete dentro dela que foi lotada a área de operações especiais. Até o momento, não foi nomeado um coordenador titular, e o posto está sendo ocupado por um substituto.
As operações especiais, que a CGU costuma fazer em parceria com órgãos como a Polícia Federal e o Ministério Público, têm o objetivo de combater irregularidades e má aplicação de recursos públicos.
A CGU calcula que essas operações apuraram desde 2003 um total de mais de R$ 6 bilhões em desvios de recursos públicos.
Procurado, o órgão diz que a mudança na estrutura foi feita para facilitar a conexão entre os serviços de auditoria e a realização de operações especiais, o que acredita ser mais eficaz para identificar atos ilícitos.
Há, ainda, atribuições da antiga secretaria que foram absorvidas pela Secretaria Executiva da CGU.
Questionada a respeito da fragmentação da secretaria, a CGU afirma que continua fortalecendo o combate à corrupção, “mas com a clareza de que o objetivo é promover uma cultura de integridade nos setores público e privado, fortalecendo as instituições governamentais e garantindo bons serviços públicos”.
Também argumenta que não houve redução do efetivo de servidores dedicados à investigação de casos de corrupção. “O combate à corrupção é responsabilidade da CGU como um todo, de modo que não há uma área exclusivamente dedicada a esse tema”, diz o órgão em nota.
“Mesmo na estrutura anterior, a ideia de uma área exclusivamente focada em combate à corrupção não se sustentava, porque as outras áreas do órgão também contribuíam com o combate à corrupção.”
Segundo a CGU, houve uma reorganização de áreas que estavam dispersas, e agora elas passam a atuar em vertentes complementares. O ministério afirma que isso ajuda o órgão a “atuar na promoção da integridade privada e na prevenção, identificação e responsabilização de atos de corrupção”.
Em entrevista à Folha em fevereiro deste ano, um mês após assumir o cargo, Carvalho afirmou que pretendia levar o órgão a retomar papel relevante na aplicação da Lei Anticorrupção e fazer um balanço dos dez anos de vigência dessa lei.
“A política de combate à corrupção não pode ser esquecida, deixada de lado. Mas não pode ser feita ao arrepio do Estado de Direito. Porque daí o combate à corrupção se corrompe, e a gente entra num ciclo infinito de instrumentalização do combate à corrupção pela agenda política. E isso não pode mais acontecer no país”, afirmou na ocasião.
Durante o governo Bolsonaro, a controladoria foi criticada, dentre outras coisas, por manter diversos sigilos a documentos considerados de interesse público e por dificultar a aplicação da Lei de Acesso à Informação.
Sob Lula, a CGU determinou que fosse divulgado o cartão de vacinação do ex-presidente, classificado como sigiloso pela gestão anterior. A liberação, no entanto, ainda depende de uma investigação do governo sobre possível inserção de dados falsos no documento.