Os EUA anunciaram no dia 10 de janeiro um dos mais amplos pacotes de sanções contra o setor energético russo desde o início da guerra da Ucrânia. As restrições atingem 30 empresas russas de serviços petrolíferos e mais de 180 navios-tanque, inclusive embarcações estrangeiras que os EUA consideram como parte de uma “frota fantasma” utilizada pela Rússia.
De acordo com o decreto do Departamento do Tesouro estadunidense, a expectativa é que as novas restrições custem à Rússia “bilhões de dólares mensais” e, consequentemente, afetem a taxa de câmbio do rublo e até levem a um novo aumento na taxa básica do Banco Central.
No dia 14 de janeiro, a Rússia acusou os EUA de querer sabotar o gasoduto turco “TurkStream”. Hoje, ele é o único canal de fornecimento de gás russo para a Europa desde que o acordo para o transporte de gás através da Ucrânia chegou ao fim em 31 de dezembro de 2024. A acusação está relacionada com uma tentativa de ataque da Ucrânia no dia 11 de janeiro contra uma estação russa que fornece gás pelo gasoduto TurkStream.
Moscou entende que isso está relacionado à política de sanções dos EUA, que tem o objetivo de eliminar concorrências no setor energético para a manutenção de uma hegemonia. Foi o que argumentou o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Lavrov, em coletiva de imprensa na última terça-feira (14).
“Estou firmemente convencido de que os EUA não aceitam nenhum concorrente em nenhuma área, a começar pela energia, onde, sem nenhuma hesitação, dão luz verde a atividades terroristas para destruir os alicerces do bem-estar energético da UE, onde eles incitam seus clientes ucranianos para que agora, seguindo os passos do Nord Stream, o [gasoduto] TurkStream seja retirado de operação”, disse Lavrov.
“A rejeição da concorrência leal na esfera econômica e a utilização de métodos injustos e agressivos de supressão de concorrentes manifestam-se na política de sanções que os Estados Unidos e os seus aliados têm baseado nas suas ações no panorama internacional, incluindo em relação à Rússia, mas não só”, acrescentou.
A particularidade do mais recente pacote de sanções dos EUA contra o setor energético russo é que ele inclui navios-tanque internacionais. Ou seja, além de atingir as empresas russas envolvidas na extração e processamento de recursos energéticos, agora as novas restrições incluem as embarcações estrangeiras que a Rússia utiliza para exportar o seu petróleo para os países parceiros.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada da Academia Russa de Economia Nacional, Andrey Zubarev, destaca que, a dimensão do impacto do novo pacote de sanções depende, em grande parte, das contrapartes, no quanto a Índia e a China, por exemplo, “vão querer bancar certos riscos e como achar maneiras de comercializar”. “Por isso não só dos EUA e da Rússia que tudo depende”, afirmou.
Vale lembrar que China e Índia foram os países que alavancaram a suas compras do petróleo russo nos últimos anos após o início da guerra da Ucrânia, diante das sanções ocidentais contra Moscou. Hoje, os dois países são responsáveis por uma faixa entre 80-90% das exportações do petróleo da Rússia. Neste processo, a Rússia diversificou as suas exportações, expandindo mercados com os países do Brics e Sul Global, e, assim, assegurou as suas capacidades econômicas. Estes países, por sua vez, passaram a negociar descontos para o preço do petróleo russo.
Assim, para contornar as sanções ocidentais que atingem o trânsito de recursos energéticos pelos mares internacionais, a Rússia passou a utilizar cada vez mais embarcações de outros países não inclusos nas restrições. E os seguros destes navios-petroleiros são feitos pela parte russa. Agora, muitos destes navios foram identificados e incluídos na lista de sanções, dificultando o escoamento da mercadoria em portos internacionais de países que comercializam com a Rússia.
“Concretamente, existe uma quantidade de navios, alguns deles pertencem a certa corporação e transitam sob a bandeira de Barbados, por exemplo, outros navios pertencem a alguma empresa e transitam sob outra bandeira, e as sanções estão sendo aplicadas concretamente contra estes navios e talvez contra algumas das empresas proprietárias, então surgem problemas”, explica Andrey Zubarev.
As novas restrições já surtiram efeito. Dias após a adoção das sanções, foi relatado que cinco navios-tanque com petróleo bruto russo, quatro deles incluídos nas sanções dos EUA, já teriam sido impedidos de atracar nos portos da China, e estão parados à espera de uma resolução. Estes impedimentos tornam mais custoso e complexo o processo de exportação de petróleo russo, setor vital para a economia do país.
“Esse petróleo tem que ser vendido de alguma forma, vão ser buscadas algumas decisões como transferência para outros navios-tanque ou revender através de outras empresas que não foram incluídas nas sanções”. “Essas empresas têm que ser convencidas, compensadas com ‘rublos e dólares’ para elas aceitarem, então tudo isso é complexo, e mesmo que seja possível, isso vai levar tempo”, explica Zubarev.
O economista da Academia Russa de Economia Nacional destaca que estas sanções funcionam em várias direções ao mesmo tempo. Em primeiro lugar, elas visam identificar toda a “tropa fantasma” e proibir o trânsito destas navegações.
“Estes navios não conseguirão mais transportar o petróleo russo, então a Rússia precisa buscar alguma nova frota, e isso passa a ser difícil. Existem certas limitações de frotas, não se constrói nem se aluga um navio assim do nada, considerando que essas sanções atingem uma porcentagem substancial da frota de navios-tanque mundial, então achar a mesma quantidade agora não é tão simples”, acrescenta.
De acordo com o analista, os principais impactos que as sanções podem ter para a economia russa dizem respeito aos riscos inflacionários e o câmbio do rublo, que pode enfraquecer de forma significativa.
Reestruturação logística
A Rússia, por sua vez, já anunciou que está preparando uma resposta às sanções dos EUA contra o setor petrolífero do país, conforme afirmou o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov. Já o analista-chefe do Fundo Nacional de Segurança Energética da Rússia, Igor Ushkov, em artigo publicado pela revista Aktualnye Komentarii, acredita que as sanções não terão grande efeito para a economia russa.
Ele aponta que “já foram introduzidas sanções contra dezenas de petroleiros da ‘frota fantasma’ russa que transportam petróleo, mas eles não pararam de trabalhar depois disso”. “Eles continuam seu trabalho e transportam petróleo russo. Esses navios-tanque são periodicamente registrados novamente em algumas novas empresas, recebem novas bandeiras e continuam operando. Portanto, penso que as sanções não serão críticas para o lado russo e para as empresas”, afirma.
“A novidade são as sanções contra empresas envolvidas na extração de recursos. Isso não acontecia antes, mas agora a Gazpromneft e a Surgutneftegaz estão sob sanções, e provavelmente veremos uma pequena reestruturação da logística […] As empresas que foram alvo de sanções poderão aumentar a oferta para o mercado interno, e aquelas que estavam no mercado interno fornecerão mais para exportação, ou seja, as empresas russas sujeitas a sanções trocarão parcialmente os mercados de vendas com as não sancionadas. No total, isso permitirá que a Rússia não reduza o volume de produção e exportação, e o estado receberá aproximadamente a mesma quantia de dinheiro no orçamento” explica.
Nessa reconfiguração logística, a Rússia poderá aumentar os descontos sobre o petróleo para a China e a Índia em troca da suspensão de novas possíveis restrições a embarcações de outras bandeiras nos portos destes países, assegurando, assim, a manutenção dos volumes de exportações do petróleo russo para Índia e China.
“Portanto, agora devemos esperar que haja muitas publicações negativas, mas precisamos encarar isso de forma adequada e entender que nosso petróleo é necessário para a Índia e a China, e eles continuarão comprando-o. Precisamos apenas reestruturar um pouco a cadeia de vendas”, completa o analista.
Edição: Leandro Melito