Reportagem do “Valor” aponta que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) indica que é difícil a aprovação da fusão sem nenhum tipo de restrição. A operação seria uma das maiores analisadas pela autarquia. Juntas, as duas empresas fecharam o ano passado com um share de 60,4% nos voos domésticos. No mercado internacional, a participação é bem menor: 9,4%.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam que o risco de haver um aumento nos preços das passagens aéreas é grande. “As empresas que surgem de uma associação ou fusão tendem a tentar exercer uma precificação mais elevada para fazer frente aos riscos e incertezas existentes”, diz o coordenador acadêmico de cursos automotivos da Fundação Getulio Vargas (FGV), Antônio Jorge.
O ministro de Portos e Aeroportos, Sílvio Costa Filho, disse que um cenário pior seria a quebra das empresas.
André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, avalia que a concentração não é a melhor opção: “Quanto mais concentrado o segmento, menor a concorrência. Mas cabe ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) avaliar esse movimento. É um segmento muito complexo e estratégico para o desenvolvimento de um país com dimensões continentais.”
Segundo Vanderlei Garcia Jr., especialista em direito associado e sócio da VGJr Advogados Associados, a concentração de mercado resultante da fusão entre as duas grandes companhias aéreas pode afetar diretamente os consumidores e a concorrência.
“Com menos concorrentes relevantes no setor de aviação, o poder de precificação das empresas aumenta, o que pode levar a um aumento nos preços médios das passagens. Além disso, em rotas menos movimentadas, a fusão pode reduzir as opções disponíveis para os consumidores, limitando as alternativas de voos para esses destinos.”
Momento difícil para as empresas aéreas
O momento não é confortável para as aéreas. A desvalorização do real frente ao dólar atingiu 27% no ano passado e ajuda a pressionar os custos das empresas. Combustíveis, aluguel dos aviões e peças são cotados na moeda americana.
Prévia dos resultados da Gol mostra que a empresa teve prejuízo líquido de R$ 176 milhões em novembro. A empresa está em recuperação judicial nos Estados Unidos. Já a Azul está realizando uma reestruturação financeira. No início do mês, as duas aéreas fecharam acordos com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para reduzir R$ 5,8 bilhões em dívidas.
Empresas e governo negam possibilidade de alta nas passagens aéreas
A possibilidade de alta nos preços é descartada tanto pelo governo quanto pelas empresas. O ministro disse que a possibilidade de fusão das duas empresas poderá ser positiva para o país, inclusive no sentido de evitar aumento de tarifas, já que resultaria na diminuição do número de assentos não ocupados das aeronaves. A taxa de ocupação em dezembro foi de 83,4%. É o melhor resultado para esse mês desde 2019.
“O que nós não vamos permitir é aumento de tarifas. Estamos trabalhando para que essas companhias se fortaleçam, o Cade não vai permitir qualquer movimento errado, mas precisamos ainda entender essa fusão tecnicamente”, disse ele.
Manuel Irarrázaval, Chief Financial Officer (CFO) da Abra – investidor majoritário na Gol e na colombiana Avianca –, destacou para “O Globo” que a fusão entre as aéreas brasileiras deve impulsionar o crescimento dos voos internacionais, sem necessariamente resultar em aumento das tarifas.
Segundo o executivo, o foco da transação está na complementaridade das empresas e na escala que poderá ser alcançada. “Com uma empresa de tamanho dobrado, teremos uma posição mais vantajosa para negociar com fornecedores, além de maior eficiência na compra de combustível e no planejamento da malha aérea”, explicou.
A Azul destacou por meio de nota que a fusão tem por objetivo fortalecer a posição do Brasil no cenário global de aviação, um setor altamente competitivo e internacionalizado.
Ela avalia que a união das duas companhias visa impulsionar o crescimento da indústria aeronáutica brasileira, ampliando o número de destinos, rotas e conectividade. Com isso, espera-se oferecer mais serviços aos consumidores, aumentando a oferta de voos tanto domésticos quanto internacionais.
Mercado aponta para melhoria na eficiência e competição entre aéreas
O Santander avaliou, em relatório divulgado a clientes, que a fusão entre as companhias promete melhorar significativamente o cenário competitivo da indústria aérea brasileira. No entanto, alertou que o processo de integração será “longo e sinuoso”, exigindo alinhamento nos esforços comerciais, nos programas de fidelidade, nas operações de carga e na integração de frotas e equipes de manutenção.
Além disso, a instituição destacou que o ambiente macroeconômico continua desfavorável para as companhias aéreas brasileiras, com incertezas persistentes e preços do petróleo em alta.
A XP avalia que após a fusão, espera-se que Azul e Gol capturem diversas sinergias, mantendo suas marcas separadas, mas integrando áreas comuns.
As sinergias previstas incluem melhorias operacionais, como o aprimoramento da conectividade da rede, aumento das frequências de voo e mais parcerias com empresas internacionais. No âmbito das receitas, a expectativa é expandir as receitas auxiliares, como cartões de crédito e programas de milhagem, além de ampliar as operações de carga.
A corretora aponta que, em termos de custos, a fusão deve otimizar a frota para cada rota, possibilitar a redução da alíquota de ICMS e permitir o compartilhamento de departamentos. A administração da Azul acredita que essas sinergias serão capturadas no curto prazo, contribuindo para uma estrutura de capital sustentável e mantendo a alavancagem sob controle, sem exceder os níveis pré-fusão da Gol.
Fernando Canutto, especialista em direito empresarial e sócio da Godke Advogados, aponta que um dos fatores que podem favorecer a fusão é a pouca sobreposição de rotas entre as duas empresas. “Ela não deve afetar tanto a concorrência”, diz.
Mas, por outro lado, Garcia Jr. vê a possibilidade de um aumento de eficiência operacional. “A integração de recursos, frota e logística pode resultar também em melhorias na eficiência e na experiência do cliente, com maior conectividade e ampliação de malhas aéreas.”