O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, apresentou, nesta quarta-feira (15), uma nova versão da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, que segundo o ministro, busca adequar o projeto às sugestões e preocupações manifestadas pelos governadores após a apresentação da primeira versão.
“Depois de cinco reuniões setoriais e gerais com os governadores, nós acolhemos a parte mais substantiva das preocupações dos chefes dos Executivos estaduais e dos prefeitos brasileiros”, declarou o ministro. “E para tranquilizar os governadores, nós vamos colocar expressamente na constituição que as competências atribuídas à União não excluem as competências comuns e concorrentes quanto a segurança pública”, afirmou Lewandowski, que agregou que a PEC não interfere na subordinação das polícias civis e militares, além dos corpos de bombeiros, aos governos estaduais.
A nova proposta ganhou um parágrafo único no Artigo 21, segundo o ministro, “para deixar explícito que as novas atribuições concedidas à União em relação à segurança pública não excluem as competências comum e concorrente dos demais entes federados, nem restringem a subordinação das polícias militares, civis e penais e a dos corpos de bombeiros militares aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal”.
Também foi acolhida a sugestão da governadora do Rio Grande do Norte (RN), Fátima Bezerra (PT), para que representantes da sociedade civil também fossem incluídos no Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. No entanto, a sugestão para que a composição do órgão fosse de paridade entre civis e militares foi deixada para discussão pelo Congresso, que deverá regulamentar a questão via lei ordinária.
A nova versão da PEC mantém a proposta de que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) atue no policiamento ostensivo em rodovias, ferrovias e hidrovias federais. O ministério sugere ainda que a PRF passe a se chamar Polícia Viária Federal, e não Polícia Ostensiva Federal, como estava na versão anterior. Em relação à Polícia Federal (PF), a PEC estabelece que ela atue em ações de crimes ambientais e contra práticas cometidas por organizações criminosas e milícias privadas de caráter interestadual ou internacional.
O ministro defendeu a importância da medida para o combate ao crime organizado. “Hoje, grande parte das mercadorias, funcionam não só nas rodovias, mas nas ferrovias e hidrovias. E por onde passa mercadoria, passa todo tipo de ilícito. Portanto, ela [a PRF] terá um papel de caráter ostensivo para patrulhar as rodovias, hidrovias e ferrovias da União”, disse o ministro, agregando que, além desse patrulhamento, a PRF poderá prestar segurança a bens públicos federais, bem como atuar no patrulhamento urbano, a pedido dos governadores, assim como em situações de emergência e calamidade pública.
A nova redação da PEC também prevê a instituição de ouvidorias públicas igualmente autônomas, nos três níveis da Federação, para receber representações, elogios e sugestões sobre as atividades desses profissionais. Sobre esse aspecto, o ministro esclareceu que o objetivo da medida é levar à Constituição o direito constitucional à manutenção de ouvidorias e corregedorias nos distintos órgãos de segurança pública, obrigando estados e municípios a criá-los, onde ainda não existirem.
Segundo Lewandowski, foram inúmeras propostas recebidas nos últimos meses, que não puderam ser incluídas na PEC pelo fato de serem matéria de natureza infraconstitucional, ou seja, que deve ser objeto de lei ordinária. E afirmou que caberá ao Congresso aprimorar a proposta, que chamou de “minuta”.
“Esse texto será com toda certeza aprimorado pelo Congresso Nacional. Essa é só uma minuta para a discussão da reforma. Com 36 anos de vigência da constituição de 1988, evidentemente, a natureza do crime mudou”, considerou o ministro. “Nós não temos pretensão de que nosso texto esteja pronto e acabado. Estamos muito seguros da legitimidade, da constitucionalidade e da importância desse texto que nós estamos apresentando”, afirmou.
Reação de governadores
Em outubro de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião com governadores e ministros, além de representantes dos poderes Legislativo e Judiciário, para discutir a primeira versão da PEC.
Inicialmente, a proposta consistia na alteração do artigo 144 da Constituição para outorgar “à União a competência de coordenar o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), instituído por simples lei ordinária (Lei 13.675, de 11 de junho de 2018)”, permitindo assim que o governo federal e o Congresso estabeleçam normas a serem seguidas pelas polícias estaduais.
Além de inserir o Susp na Constituição, a PEC propunha a criação de um Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária, cujos recursos seriam repartidos entre os três níveis administrativos da federação para financiar o sistema, e que teria seu contingenciamento proibido.
A proposta gerou reação de governadores do campo conservador, como o de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de Goiás, Ronaldo Caiado (União), e do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). Caiado chegou a acusar o governo de promover um “engessamento” das políticas de segurança e considerou a proposta uma tentativa de usurpar poderes dos governos estaduais.
“Nós precisamos entender que o governo federal tem que servir de apoio a nós, e não o governo federal ou o Congresso Nacional quererem ditar regra para nós, os entes federados. É uma inversão completa”, declarou Caiado à época. Ele defendeu uma alteração constitucional para permitir aos estados legislarem sobre matéria de direito penal, o que foi rejeitado por Lewandowski na coletiva desta quarta-feira (15).
“Com todo respeito, me parece algo inviável e que geraria enorme insegurança jurídica. Imaginemos nós também que o estado não tivesse leis draconianas, muito severas com relação a determinados crimes. O que correria? Os criminosos iriam a outro estado onde a legislação é leniente”, declarou o ministro.
Sucessivos episódios de violência policial, inclusive com a morte de inocentes, têm fortalecido o discurso do governo sobre a necessidade de um projeto que padronize protocolos e iniba o uso excessivo da força. Nesse sentido, em 23 de dezembro de 2024, o Ministério da Justiça editou um decreto federal que disciplina o uso de armas de fogo e instrumentos não letais, abordagens, buscas domiciliares e a atuação dos policiais penais nos presídios. O decreto ainda condicionou o acesso dos estados a recursos federais ao cumprimento das diretrizes estabelecidas na norma.
Governadores da direita reagiram à medida. O governador do Rio, Cláudio Castro chegou a dizer que acionaria o Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o decreto. Ronaldo Caiado o qualificou como “chantagem explícita”, o que, na opinião de especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato na ocasião, foi uma demonstração do “uso da violência policial como plataforma política”.
O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a pasta vai publicar uma portaria, na próxima sexta-feira (17), para regulamentar o decreto de dezembro, e voltou a defender o condicionamento da liberação de recursos ao cumprimento das diretrizes estabelecidas. “É natural, porque se nós temos recursos federais para o emprego na segurança pública, é natural que essas verbas sejam distribuídas para serem utilizadas de acordo com as diretrizes federais. Ninguém é obrigado a pegar verbas federais. O governador que não quiser, não pega. Mas aquele que quiser fazer uso do dinheiro público federal terá que se subordinar as diretrizes federais.”
A minuta da PEC será agora enviada para a Casa Civil, antes de ser remetida ao Congresso Nacional. Lewandowski afirmou nesta quarta que “o ideal seria enviar ainda este ano” e declarou que o ministério gostaria que a proposta chegasse ao Legislativo ainda no primeiro semestre de 2025.
Edição: Nicolau Soares