No dia 6 de novembro, apenas um dia após a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos EUA, Elon Musk, o homem mais rico do mundo, ficou US$ 26.5 bilhões (R$ 160,5 bilhões) mais rico.
Uma semana depois das eleições, além dos quase US$ 26 bilhões imediatos adicionados ao bolso do dono da Tesla – e que teve as ações da empresa valorizadas em 65% desde então -, Musk enriqueceu outros US$ 70 bilhões.
Um mês depois, em 11 de dezembro, o homem mais rico do mundo se tornou o primeiro bilionário a atingir a marca dos US$ 400 bilhões (R$ 2,4 trilhões) em fortuna, segundo a Bloomberg. Mas até este número inédito também foi ultrapassado. Até o momento desta reportagem, Musk tem riqueza avaliada em US$ 486 bilhões.
Apoiador ferrenho do republicano, Musk doou US$ 277 milhões (cerca de R$ 1,72 bilhão) para a campanha presidencial de Trump, segundo o jornal The Guardian. E os seus “investimentos” na política estadunidense lhe deram excelentes resultados.
Trump foi eleito com esmagadora maioria de colégios eleitorais e criou um cargo governamental para Musk, que será um dos líderes do Departamento de Eficiência Governamental, um painel com ambições ousadas de cortar custos governamentais e reestruturar agências federais.
O problema é que tanto Musk, como Vivek Ramaswamy, outro nomeado para a liderança, são empresários, com grandes conflitos de interesse público-privado, visto que a maior parcela de contratos das suas empresas é com o próprio governo dos EUA.
Para Rodrigo Rodriguez, professor de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Musk apostou alto na campanha de Trump, principalmente “porque está encurralado por investigações federais referentes as suas empresas”.
“A aposta que ele está fazendo em Trump é que terá maior capacidade de demolir as regulações que o perseguem, mas defendendo isso em termos de ‘desburocratização’ ou defesa da ‘eficiência econômica'” do país, declarou o professor ao Brasil de Fato.
A fonte do dinheiro
Ao contrário do que alguns pensam, Musk não faz riqueza na labuta diária. O empresário é dono de empresas de tecnologia de ponta, como a Tesla e a SpaceX, que fabricam carros elétricos e fornecem equipamentos para viagens espaciais. Mas Simone Deos, professora de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), explica que grande fatia da riqueza de milionários e bilionários como Musk e Trump vem com a compra de ações das empresas, que sofrem variação da especulação financeira.
As empresas do Musk são empresas de capital aberto, ou seja, têm suas ações negociadas nas bolsas de valores. “A cada vez que o preço dessas ações se modifica, a riqueza daquele que detém ações também é impactada – para mais, ou para menos”.
E essa modificação, gerada pela especulação financeira, “não diz respeito ao que as empresas de Musk estão ganhando no presente, mas sobre as possibilidades de ganho com a mudança no cenário político”, esclarece Rodrigo Rodriguez.
As empresas de alta tecnologia do bilionário são setores que “não foram escolhidos pelo acaso, mas estratégicos para o governo americano por várias razões”, aponta Rodriguez. Em especial, a “guerra comercial com o Sul Global, em particular a China”.
Conflito de interesses
“A maior parte das relações [público-privado] que envolvem o financiamento do governo americano estão associadas aos contratos bilionários com a Nasa e o Departamento de Defesa dos EUA”, acrescentou o professor Rodrigo Rodriguez.
A SpaceX, por exemplo, assinou, recentemente, um contrato confidencial com o Escritório Nacional de Reconhecimento dos EUA, no valor de US$ 1.8 bilhão, segundo o jornal The Guardian. E a vitória de Trump na corrida presidencial significou, também, uma vitória burocrática de Musk.
O empresário nascido na África do Sul – e naturalizado estadunidense – apostou alto na campanha de Trump “porque está encurralado por investigações federais referentes as suas empresas”, pois “ele constantemente passa por cima dos interesses de Estado”, explica Rodriguez. Um exemplo da mania de grandeza de Musk é a investigação do X (antigo Twitter) aqui no Brasil.
Ao todo, as investigações e acusações somam mais de vinte em âmbito federal nos EUA, em temas que variam desde discriminação de pessoas, proteção ambiental até violações na legislação trabalhista.
A desregulamentação da qual Musk será um dos líderes na nova era Trump é “o ponto-chave para conformar condições mais precárias de trabalho e ampliação das degradações ambientais, que são as formas futuras de valorização da riqueza e objetos de interesse” do magnata, completa Rodriguez.
No entanto, a atuação efetiva de Musk dentro do governo “é cada dia menos provável” e este movimento seria uma atuação “mais simbólica do que prática, pois a forma de influenciar o governo seguirá sendo o tradicional lobby das empresas e os acordos políticos de forma indireta”.
Falta de limitação de poderes é “estrutural”
Musk apoia a nova era Trump porque acredita que, nela, a lógica financeira que sustenta as suas empresas será ainda mais fortalecida. Um espaço onde o afrouxamento das leis sobre empresas pode alavancar. “Musk está com Trump porque acredita que conseguirá influenciar a seu favor nas medidas de desregulamentação.”
Por causa disso, muitos acusam Musk de “comprar” sua entrada e influência no governo do país mais poderoso do mundo. “Faz sentido, pois se trata de uma democracia em que o vencedor é eleito em uma disputa de máquinas financeiras e diferentes projetos de capitalismo”, avalia Rodriguez.
Isso não quer dizer que o dinheiro por si só, por meio das propagandas e das doações eleitorais, elege os candidatos. “Significa que as decisões das pessoas são fortemente influenciadas por ele”, diz o especialista. Essa influência tão forte no governo não é uma falta de mecanismos que limitem esses poderes, mas sim estrutural, segundo o professor de economia.
A diferença de Musk para os demais empresários de qualquer outro setor econômico é que “ele atua abertamente e isso torna o problema mais claro para nós, mas não é porque não vemos tantos empresários em campanha que não está acontecendo por todo lugar”.
“Podemos tomar medidas para conter excessos, mas a questão estrutural passaria por uma discussão mais profunda do que orienta as nossas democracias”, completa Rodriguez.
Edição: Rodrigo Durão Coelho