Os principais diplomatas dos EUA devem realizar as primeiras reuniões oficiais presenciais de Washington com os novos governantes da Síria, liderados pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham, em Damasco, nesta sexta-feira (20), na esperança de avaliar como o antigo afiliado da Al Qaeda planeja governar o país.
Os Estados Unidos, outras potências ocidentais e muitos sírios comemoraram que rebeldes, liderados pelo HTS, tenham derrubado o presidente Bashar al-Assad, mas não está claro se o grupo imporá regras islâmicas rígidas ou mostrará flexibilidade.
As autoridades americanas do governo Biden discutirão com representantes do HTS um conjunto de princípios, como inclusão e respeito aos direitos das minorias, que Washington quer incluir na transição política da Síria, afirmou um porta-voz do Departamento de Estado.
A principal diplomata do Departamento de Estado para o Oriente Médio, Barbara Leaf, o enviado presidencial para Assuntos de Reféns, Roger Carstens, e o conselheiro sênior, Daniel Rubinstein, que tem a tarefa de liderar o envolvimento do Departamento na Síria, são os primeiros diplomatas americanos a viajar para Damasco desde que o governo de Assad caiu.
“Eles se envolverão diretamente com o povo sírio, incluindo membros da sociedade civil, ativistas, membros de diferentes comunidades e outras vozes do país sobre sua visão para o futuro do país e como os Estados Unidos podem apoiá-los”, explicou o porta-voz do Departamento de Estado.
Líderes ocidentais estão gradualmente abrindo canais para o HTS e seu líder, Abu Mohammed al-Jolani, um ex-comandante de uma franquia da Al Qaeda na Síria, e começando a debater se devem remover a designação terrorista do grupo.
A viagem da delegação dos EUA segue contatos com a França e a Grã-Bretanha nos últimos dias.
Os representantes também buscarão informações sobre o jornalista americano Austin Tice, que foi capturado durante uma viagem de reportagem à Síria em agosto de 2012, e outros cidadãos americanos que desapareceram sob o governo de Assad.
“Eles também planejam se reunir com representantes da HTS para discutir os princípios de transição endossados pelos Estados Unidos e parceiros regionais em Aqaba, Jordânia.”
Os americanos cortaram laços diplomáticos com a Síria e fecharam a embaixada na capital Damasco em 2012.
Mulheres se manifestam
Centenas de sírios se reuniram na Praça Ummayad, no centro de Damasco, na quinta-feira (19), para pedir um estado democrático e secular que garanta direitos iguais para as mulheres. Foi a primeira manifestação desse tipo desde a deposição de Assad.
“Não ao governo religioso”, “Secular” e “Constituição civil”, eles gritavam, com alguns agitando a bandeira síria recém-adotada. Muitos exibiam cartazes declarando “Síria para todos os sírios” e “Um estado civil democrático para todos”.
Há uma apreensão generalizada entre a população de que a nova administração gravitará em direção ao governo religioso linha-dura, marginalizando comunidades minoritárias e excluindo mulheres da vida pública.
Obaida Arnout, porta-voz do governo de transição sírio, falou esta semana que a “natureza biológica e fisiológica” das mulheres as tornava inaptas para certos empregos governamentais.
“Sentimos a ameaça após ouvir esses comentários. Não queremos desperdiçar o que ganhamos com esta revolução. Se não falarmos agora, seremos silenciadas para sempre”, exclamou Nour Shakhashiro, 21, sentada desenhando e distribuindo retratos de mulheres sírias influentes.
Entenda o conflito na Síria
O regime da família Assad foi derrubado na Síria no dia 8 de dezembro, após 50 anos no poder, quando grupos rebeldes tomaram a capital Damasco.
O presidente Bashar al-Assad fugiu do país e está em Moscou após ter conseguido asilo, segundo uma fonte na Rússia.
A guerra civil da Síria começou durante a Primavera Árabe, em 2011, quando o regime de Bashar al-Assad reprimiu uma revolta pró-democracia.
O país mergulhou em um conflito em grande escala quando uma força rebelde foi formada, conhecida como Exército Sírio Livre, para combater as tropas do governo.
Além disso, o Estado Islâmico, um grupo terrorista, também conseguiu se firmar no país e chegou a controlar 70% do território sírio.
Os combates aumentaram à medida que outros atores regionais e potências mundiais — da Arábia Saudita, Irã, Estados Unidos à Rússia — se juntaram, intensificando a guerra no país para o que alguns observadores descreveram como uma “guerra por procuração”.
A Rússia se aliou ao governo de Bashar al-Assad para combater o Estado Islâmico e os rebeldes, enquanto os Estados Unidos lideraram uma coalizão internacional para repelir o grupo terrorista.
Após um acordo de cessar-fogo em 2020, o conflito permaneceu em grande parte “adormecido”, com confrontos pequenos entre os rebeldes e o regime de Assad.
Mais de 300 mil civis foram mortos em mais de uma década de guerra, segundo a ONU, e milhões de pessoas foram deslocadas pela região.