Acesso gratuito à Justiça deve disparar ações trabalhistas


Número de processos cresceu 21% desde o veto do STF na reforma; especialistas afirmam que percentual deve ser ampliado por nova decisão do TST

O TST (Tribunal Superior do Trabalho) concluiu o julgamento iniciado em outubro e fixou tese vinculante na 2ª feira (16.dez.2024) sobre os critérios para a ampliação do acesso gratuito à Justiça. Especialistas ouvidos pelo Poder360 dizem que a medida potencializará o aumento do número do ajuizamento de ações trabalhistas, já em trajetória crescente desde de 2021 –ano em que o STF (Supremo Tribunal Federal) estabeleceu que os beneficiários da Justiça gratuita não precisam pagar os honorários da parte vencedora.  

Resumo da Tese do TST:

  • o juiz deve conceder automaticamente a justiça gratuita para quem ganha até 40% do teto do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social);
  • o reclamante que ganhar acima desse valor pode pedir o benefício com uma declaração assinada, sem precisar anexar provas da sua insuficiência financeira;
  • o pedido pode ser contestado caso a outra parte no processo apresente provas que contrariem a declaração.

Dados do TST mostram que a judicialização aumentava gradualmente até a instauração da Reforma Trabalhista (13.467 de 2017), sancionada pelo então presidente Michel Temer (MDB) em 2017. O texto da reforma instituiu o pagamento das custas processuais e pelos serviços advocatícios da parte perdedora da ação.

A tendência era de queda na judicialização trabalhista desde 2017, após a reforma. Contudo, em 2022, os processos começaram a aumentar. 

No ano seguinte à Reforma Trabalhista, em 2018, houve uma queda de quase 20% em relação ao ano anterior. O número de processos que chegavam aos tribunais trabalhistas voltou a subir entre 2021 e 2022, data que coincide com as alterações do STF na reforma. 

A alta foi de 21% desde a decisão da Corte até 2023. Primeiro, subiu 9,5 % no 1º ano após a decisão, quando a justiça do trabalho recebeu 3.161.746 processos em 2022. Em 2021, haviam recebido 2.888.085 novas ações.

Em 2023, foram recebidas 3.519.429 novas ações. A quantidade é 11,3% a mais do que a registrada no ano anterior. 

Até outubro de 2024, 3.450.527 foi o número de ações que chegaram na Justiça trabalhista. A Justiça do Trabalho é composta pelo TST, 24 Tribunais Regionais do Trabalho e mais de 1.500 Varas do Trabalho.

Segundo especialistas em Direito do Trabalho, essa taxa de crescimento das ações é “efeito direto” do veto do Supremo na reforma Trabalhista.

Em 2021, o STF declarou a inconstitucionalidade de 2 trechos da lei que modificaram regras sobre a gratuidade da Justiça. Os trechos que estabeleciam o pagamento de honorários periciais e de honorários advocatícios a quem foi derrotado na ação, independentemente da renda.

CRESCENTE POTENCIALIZADA

Para os advogados da área trabalhista, a crescente taxa da judicialização será “potencializada” com a recente decisão do TST, que amplia o acesso à Justiça estabelecendo que, para acioná-la, basta declarar a hipossuficiência. 

O advogado Sérgio Pelcerman, pós-graduado em direito e processo do trabalho pela universidade Mackenzie, ressaltou o perigo de uma concessão “indiscriminada” da justiça gratuita. Disse que a tendência, como vem acontecendo, é do aparecimento de novas ações infundadas que aumentam as demandas do Judiciário, sobrecarrega os juízes e, assim, posterga os processos que fariam sentido existirem.

[Com a decisão] a gente volta para um passado de ações. Possivelmente, devem ter pedidos fora da realidade ou que entram em um contexto totalmente desconexo dos fatos, e esse é o maior problema de tudo. O balizador da decisão, agora com precedentes, será medido em 2025”, disse. O recesso forense começa nesta 6ª feira (20.dez.2024) e vai até janeiro do próximo ano.

O  especialista em Direito do Trabalho Carlos Eduardo Costa explicou que a reforma veio para intervir na crescente demanda da Justiça e que as movimentações do TST e do STF ao longo dos últimos incentiva a judicialização de pedidos que naturalmente não se sustentariam.

“As reclamações trabalhistas ali, entre 2017 e 2021, passaram a ter um conteúdo muito mais objetivo. A gente costumava falar que, antigamente, as reclamações trabalhistas, elas vinham com pedido de A a Z, né? Tinha um rol de pedidos super extenso, porque a pessoa podia pedir aquilo que bem entendia, sabendo que, se ela perdesse, não aconteceria nada. De 2017 a 2021, os pedidos ficaram muito mais racionais e eram muito mais comedidos”, afirmou.

O especialista Carlos Eduardo Costa, que atende empresas, também falou da possibilidade de um efeito “desmoralizante” na justiça do Trabalho, com pessoas com remuneração alta usando da declaração destinada a pessoas hipossuficientes. 

“Como é que eu vou provar que a pessoa não deve receber a justiça gratuita? Eu não sei se ela está empregada, eu não sei como ela ganha, eu não tenho acesso às contas dela, né? Então, a gente vai voltar a ver um movimento que, de certa forma, era até desmoralizante na justiça”, afirmou.

Declarou que as empresas podem sair muito prejudicadas de situações. Pelcerman também ressaltou essa possibilidade da “desproporcionalidade” de custos para as empresas.

Carlos citou como exemplo uma situação em que o trabalhador ajuiza uma reclamação trabalhista “exagerada” para facilitar um acordo, já contando com uma revelia da empresa.

De acordo com CPC (Código de Processo Civil), revelia é o ato de o réu deixar de se defender, mesmo tendo sido oficialmente informado pela justiça da existência de um processo judicial contra ele. Acontece quando a parte não acompanha adequadamente a situação judicial.

Para a advogada da Ferraz dos Passos Advocacia e Consultoria Carolina Cabral Mori, a medida aprovada reduz as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores para comprovar a hipossuficiência. 

Disse que amplia o acesso à Justiça de uma forma positiva, pois elimina o medo de eventuais impactos patrimoniais em casos de derrotas judiciais que hoje, segundo ela, “apenas recaem no caso de ausência imotivada do reclamante em audiências”

“No meu ponto de vista, meras alterações legislativas, por si só, não são suficientes para desencorajar o uso do sistema judiciário, uma vez que as causas estruturais dos litígios permanecem sem solução, ou em muito os empregados continuam tendo seus direitos violados. O que foi mitigado foi a percepção de risco, e a quantidade de novas ações trabalhistas, voltando a crescer, eu acho que reflete o retorno da confiança no sistema judiciário”, declarou.





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