Juscelino Kubitschek toma café com a mulher, Sarah, e com as duas filhas adolescentes, Maria Estela e Márcia, em um ambiente requintado. Parece uma cena banal aos olhos de hoje, mas não era nada trivial na época, a segunda metade dos anos 1950, quando o mineiro JK estava à frente da Presidência da República.
Primeiro, porque não era corriqueiro no Brasil retratar presidentes em cenas caseiras –Juscelino se sentia à vontade diante das lentes nas mais variadas situações. E tudo se tornava mais fácil quando atrás da câmera estava Jean Manzon, que inovou o fotojornalismo no país.
Além disso, a imagem é curiosa pelo local em que eles estão. Antes que Brasília fosse inaugurada pelo próprio JK em abril de 1960, a capital era o Rio de Janeiro, e o palácio presidencial, o Catete.
Mas a família Kubitschek vivia no Palácio das Laranjeiras, já que o supersticioso Juscelino não queria que morassem no Catete, onde Getúlio Vargas havia se matado na década anterior.
A nova “Juscelino Kubitschek – uma Fotobiografia” apresenta o líder político em ação como deputado federal, prefeito de Belo Horizonte, governador de Minas Gerais, presidente e senador. No entanto, algumas das imagens mais reveladoras são essas de uma esfera mais íntima, como pai e marido.
E também como filho. Como perdeu o pai antes de completar dois anos, Juscelino teve uma única grande referência familiar, a mãe, Júlia Kubitschek, professora de ensino primário em Diamantina (MG), onde ele nasceu. JK costumava dizer que havia herdado a capacidade de organização da mãe, que tinha ascendência tcheca.
“Foi dona Júlia quem formou Juscelino, que tinha devoção pela mãe”, diz Fabio Chateaubriand, idealizador e curador do livro, que será lançado nesta terça (17), em São Paulo.
Primeira fotobiografia dedicada ao político mineiro, a obra reúne 287 imagens, uma seleção feita a partir de mais de 50 mil pesquisadas por Chateaubriand e sua equipe.
São fotos garimpadas em instituições públicas, como o Arquivo Nacional, e acervos pessoais, como os de Maria Estela Kubitschek Lopes, uma das filhas de Juscelino.
O livro integra um projeto mais amplo, produzido pela Fundação Padre Anchieta, que comanda a TV Cultura. A iniciativa inclui ainda a série “JK – O Reinventor do Brasil”, lançada no ano passado pela emissora, e uma exposição, entre outras ações.
Afeito aos cálculos e ciente do seu poder, Juscelino raramente era visto em público demonstrando alguma forma de vulnerabilidade.
A fotobiografia expõe ao menos um desses instantes. Em meio às celebrações da inauguração de Brasília, o presidente participa de uma missa e chora copiosamente, como mostra uma imagem do jornal Última Hora.
“Os opositores de JK, como Carlos Lacerda, criticaram muito a construção de Brasília. Naquele momento, ele desabou, deixou transbordar o que estava entalado”, afirma Chateaubriand.
De acordo com o organizador da obra, a maior parte das fotos são pouco conhecidas ou inéditas. Uma delas, dos anos 1970, mostra JK de shorts na praia de Copacabana ao lado do grande amigo Adolpho Bloch, que criou a revista Manchete e, na década seguinte, fundou a TV de mesmo nome.
São raras as imagens de Juscelino em que não aparece vestindo terno e gravata. O registro inusitado faz parte do acervo pessoal de Anna Bentes Bloch, viúva do empresário.
Naquela época, Juscelino vivia no Rio e estava afastado do dia a dia da política. Era visto como persona non grata pela cúpula do regime militar. Morreu em 1976 em um acidente de carro na via Dutra.
Com 304 páginas de grandes dimensões, esta primeira versão da fotobiografia é destinada, sobretudo, aos estudiosos da trajetória de JK e aos colecionadores. Custa R$ 450. Em abril de 2025, está previsto o lançamento de uma edição compacta, que deve sair por volta de R$ 80 e ser distribuída para bibliotecas públicas.
Em março do ano que vem, a Casa Kubitschek, no conjunto da Pampulha, em Belo Horizonte, vai abrir a “Exposição JK”, com cerca de cem fotos, além de objetos. A mostra também terá curadoria de Chateaubriand.