O presidente teve alta neste domingo (15.dez) e deu sua 8ª entrevista a um veículo do Grupo Globo em 2024; Janja e Kalil também falaram
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 79 anos, deu entrevista neste domingo (15.dez.2024) para o programa “Fantástico”. Foi a 8ª vez que o petista falou com exclusividade para veículos ou programas do Grupo Globo em 2024. O objetivo era que ele explicasse sobre como se sentia depois dos procedimentos cirúrgicos a que foi submetido no Hospital Sírio-Libanês na semana passada.
O tom da conversa com a repórter Sônia Bridi foi ameno, mas a edição do material resultou num tom crítico na reportagem que durou 19min49s.
Leia a íntegra do que disse Lula ao “Fantástico”:
Como é que o senhor está se sentindo?
Lula – Olha, eu estou, mais uma vez, Sônia, me sentindo como um cara protegido por Deus. Eu digo sempre, Sônia, que um cara que nasceu onde eu nasci. E não morreu de fome até completar 5 anos de idade, é um milagre. Depois, eu tive, eu sempre fui muito saudável. Depois eu tive o problema do câncer, em 2011, em outubro de 2011, que me tirou do ar praticamente todo 2012. Depois eu tive, no último caso, um avião que teve um problema no motor e ficamos rodando 5 horas em cima do aeroporto na cidade do México. E aí, a preocupação de todo mundo, o que poderia acontecer se aquele avião, sabe, caísse, se parasse o outro motor. Depois da queda que eu tive no banheiro. Ou seja, eu estava sentado, cortando a minha unha. Unha da mão. Eu acabei de cortar a unha, lixei a unha e fui guardar o estojo. Ao invés de eu afastar o banco, eu tentei afastar só a minha bunda, isso é verdade. E acabou o banco, eu caí de costa e bati em uma cabeça na hidromassagem.
O senhor chegou a ficar desacordado?
Eu estava sozinho, eu estava sozinho. A Janja estava lá na cozinha do palácio, fazendo umas coisas dela. E eu, eu caí sozinho. Durante alguns segundos eu tive problema de mexer com as mãos, com as pernas. Aí eu consegui virar, fui até a porta, peguei no trinque e consegui mexer com as pernas e levantar. Aí eu falei, bom, menos grave. Sangrando muito. Fui para o Sírio-Libanês, tirei, sabe, várias tomografias, várias ressonâncias magnéticas. E os médicos disseram que foi grave a batida, foi muito forte. Mas que ia ficar bom. Aí eu fiz durante 5 dias alternados, 5 ressonâncias magnéticas. Me disseram: “Ó presidente, está teoricamente bem bom. Se o senhor se cuidar, vai sair dessa. E eu passei a me cuidar relativamente, né.
Eu não podia ter dor de cabeça, eu não podia machucar mais a cabeça, eu não podia cair, não podia fazer movimento brusco. Mas aí, a teimosia que está dentro da gente, eu voltei a fazer esteira, voltei a fazer ginástica, voltei a fazer musculação, sabe. O dado concreto é que eu fui para o Uruguai, participei do acordo, da reunião do Mercosul.
Fizemos o acordo com a União Europeia, que foi um acordo extremamente importante. Não é um acordo que vai funcionar de curto prazo. Vai demorar, porque são 720 milhões de habitantes envolvidos no acordo, e um PIB de 22 trilhões.
Portanto, o potencial é muito grande. É só a gente ter paciência. Eu notei, e na 2ª feira eu comecei a sentir alguns sinais estranhos nas pernas.
Mas no domingo o senhor já estava com dor de cabeça…
No domingo eu estava com dor de cabeça, mas eu achei que era por causa do sol. Não levei muito a sério.
Na 2ª feira eu comecei a sentir alguns movimentos esquisitos na perna, uma certa lentidão. Aí eu fui trabalhar. Eu estava reunido com o Pacheco, com o Lira e com vários ministros, discutindo a questão do acordo feito na Suprema Corte sobre as metas parlamentares.
Quando eu pedi pra chamar a doutora Ana, eu falei: “Ana, eu acho que eu não estou bem, acho que é bom a gente marcar uma consulta no Sírio”. Aí eu fui no Sírio, fiz uma outra resolução magnética, eu já não aguento mais daquela máquina, já não aguento mais o barulho daquela máquina. Aí quando eu saí, os médicos estavam assustados.
Aí me ligaram de São Paulo, olha, tem que vir urgente pra São Paulo. E eu fui urgente pra São Paulo, na medida do possível, porque o avião estava no Rio de Janeiro e teve que vir o avião. E fui pra São Paulo. Quando eu cheguei…
Enquanto o senhor viu que os médicos estavam assustados, o senhor também ficou assustado?
Eu fiquei preocupado, porque afinal de contas a cabeça é a parte mais delicada… Você achava que passado esse tempo já estava fora de perigo? É, eu achei que estava fora de perigo, isso é a verdade. Achei que estava fora de perigo, porque a última resolução que eu fiz mostrava que estava diminuindo a quantidade de líquido na minha cabeça. Mas era engano meu. Eu estava a tomar cuidado, eu não tomei o cuidado.
E aí o senhor tomou a decisão de vir pra São Paulo fazer essa cirurgia. Por que o senhor, com uma hemorragia no cérebro, veio pra São Paulo, em vez do médico ir pra Brasília?
Não, porque veja, os médicos achavam que aqui tinha mais condições, e aí eu não vou discutir com os médicos. Então eu vim, eu vim. E cheguei aqui, fui operado imediatamente.
E como é que foram aquelas horas, esperando o avião chegar e até embarcar?
Olha, a preocupação da Jorge era não me deixar dormir. Então eu ficava o tempo inteiro não me deixando dormir.
O senhor estava muito onolento?
Estava com sono. E aí o pessoal não quis ir pra cá no avião menor, porque não tinha um lugar mais confortável pra deitar. E se tivesse um problema mais grave, o avião presidencial tem cama. Então eu estaria em melhor condição de ser tratado.
O senhor ficou muito preocupado?
Como é que o senhor ficou de preocupação com a sua saúde e com a sua vida naquela hora? Eu comecei, a última coisa que eu lembro é quando eu entrei na ambulância, que era uma ambulância muito barulhenta e ela pulava muito, eu reclamei da ambulância, disse, comprar uma ambulância mais decente. Aí, a última voz que eu ouvi foi quando eu cheguei no cinto de permanência, que gritaram, chegamos. Mas estava todo mundo meio nervoso. Aí, me levaram pra UTI, pra sala de cirurgia, eu já fui operada, tomei um cálculo, como chama, um sedativo, acho que é, e aí não vi mais nada. Aí, não vi mais nada, querida. Aí, eu só fui acordar no dia seguinte, que a cabeça já ia brigada, empacotada.
Como é que o senhor está se sentindo hoje?
Bem, totalmente bem. Veja, o que os médicos me dão tranquilidade é que se eu me cuidar, eu não posso fazer ginástica, eu não posso fazer esteira, eu posso andar, mas passear, sabe? Um passeio de shopping, eu não posso fazer esteira. Eu andava 6 quilômetros por hora, 7 quilômetros, eu corria, sabe, andava um trotezinho de 7 quilômetros por hora durante 10 minutos seguidos. Eu ando em uma velocidade rápida, mas é por hábito mesmo. Eles falaram que isso não pode, eu tenho que esperar cicatrizar o furo que eles fizeram pra tirar o líquido, sabe? Um furo pra tirar o líquido, outro pra jogar furo pra ir lavando o cérebro.
Então…
Está com vários curativos na cabeça?
Não, eu tenho aqui um curativo, eu posso até te mostrar um curativo aqui. Mas não é uma coisa boa, por isso que eu coloquei o chapéu aqui. Eu só vou ficar até 5ª feira, porque eu tenho que fazer uma nova tomografia, e eu quero fazer no mesmo lugar que eu fiz as outras. Aí eu volto pra Brasília pra trabalhar normalmente. Eu tenho que ver se tenho possibilidade de participar do natal dos catadores de material reciclado aqui em São Paulo, que eu sempre faço. Eu tenho que fazer uma reunião ministerial antes de final do ano. E o resto eu vou ficar indo pra vida tranquilo, não vou sair pra lugar nenhum. Vou ficar me cuidando.
A gente sabe que o senhor tem apreço por participar de reuniões multilaterais, dos organismos internacionais, então isso vai ficar na espera por um tempo.
A próxima viagem internacional que eu tenho é pro Japão. Acho que dia 27 de março. Eu vou vir de chefe de Estado, e do Japão eu iria ao Vietnã. Essa viagem vai dar pra fazer tranquilamente. E quando eu chegar em março eu já estou totalmente curado. O que a gente tem alguma preocupação é nos próximos 45 a 60 dias até fechar o furo que eles fizeram.
Nessa semana aqui, em que o senhor estava internado, o senhor conseguiu acompanhar um pouco das notícias políticas e da economia?
Eu acompanho sempre. Eu não deixo de acompanhar a notícia política, porque eu depois da cirurgia, eu voltei, pelo menos do ponto de vista de percepção das coisas, de entender as coisas, totalmente 100% normal. Eu voltei com o menor mal, sabe? E eu fiquei acompanhando a notícia política, com muita tristeza, saber que pessoas que passaram a vida inteira recebendo dinheiro da União pra cuidar da soberania nacional, estavam tramando um golpe nesse país. É muito triste. É muito triste pra quem começou a brigar pela liberdade democrática, ainda muito jovem, sabe? Quem participou da campanha das diretas, muito jovem, que foi pra rua fazer as primeiras greves desse país, muito jovem.
É muito triste saber que pessoas que chegaram ao cargo de general de 4 estrelas montaram uma máquina de fazer maldade nesse país e queriam dar um golpe. Eu perdi 4 eleições. Cada vez que eu perdia uma eleição, eu ia pra casa chorar minhas mágoas, reclamar e me preparar. Então, é muito grave o que eles fizeram. Eu fiquei chocado. Fiquei chocado. Eu vou te dizer uma coisa. Eu defendo que eles tenham a presunção de inocência que eu não tive. Eu quero que eles tenham todo o direito de defesa. Mas se for verdade as acusações, essa gente tem que ser punida severamente pra que sirva de exemplo ao Brasil.
Presidente, se o senhor me permite, quando o senhor foi preso, condenado, o senhor passou por várias instâncias da justiça, né? O senhor considera que nesse processo todo da justiça, todas as instâncias, o senhor não teve um direito de defesa?
Veja, eu não tive direito de defesa. Eu não tive. Eu fui preso primeiro, mas depois eu me defendi.
Esta semana, a reforma tributária foi aprovada no Senado, mas com algumas mudanças no texto. Exclui armas e munições do imposto do pecado e isenta do imposto seletivo produtos como bebidas açucaradas e outros alimentos que têm impacto negativo na saúde. O senhor acha que dá pra conviver com essas mudanças? Ou o governo ainda vai tentar reverter esse quadro? Já que o cálculo hoje é que, como tá, a taxa ficaria entre 28% e 28,5%.
Olha, veja, nós não queremos fazer uma reforma pra aumentar a tributo nesse país. Nós achamos que se o Brasil arrecadar corretamente os tributos já estabelecidos por lei, o Brasil vai ter arrecadação suficiente pra cuidar das coisas. Vamos aumentar o tributo. Agora, essa proposta aprovada pelo Senado vai votar pra Câmara. Que já tinha sido aprovada na Câmara. Então vamos ver, quando eu votar, a partir de 5ª feira eu vou conversar com as pessoas, vou conversar com o Haddad, possivelmente em casa essa semana, e vou ver o que a gente pode fazer. O que a gente não quer é aumento de tributo.
O pacote de cortes de gastos foi muito mal recebido nessa semana, né? Subiu o dólar, caiu a bolsa, e há uma percepção de alguns analistas de que com a inflação, sem controlar as contas públicas, cai mais inflação, e que a inflação afeta também o mais pobre, que o juro mais alto vai afetar o mais pobre. O senhor acha que o pacote deixou alguma coisa de fora que pode ser incluída? Pode haver algum tipo de ajuste nesse pacote?
O pacote foi mandado pro Congresso Nacional, e o Congresso tem soberania pra mudar as coisas. Se votar alguma coisa, sabe, que eu possa mudar, eu posso mudar, mas eu não vou poder mudar. Então vamos parar com essa bobagem. Ninguém nesse país, ninguém, Sônia, ninguém, vou repetir, ninguém nesse país, do mercado, tem mais pontos de habilidade fiscal do que eu. Não é a 1ª vez que eu sou presidente da República. Eu já governei esse país e entreguei esse país crescendo 7,5%. Entreguei esse país com a massa salarial mais alta desse país. Entreguei esse país, sabe, numa situação muito privilegiada. É isso que eu quero fazer outra vez. E não é o mercado que tem que se preocupar com os gastos do governo. É o governo. Porque se eu não controlar os gastos, se eu gastar mais do que eu tenho, sabe quem vai pagar? O povo pobre. Então, eu quero te dizer, Sônia, que é o seguinte, nós fizemos aquilo que é possível fazer, mandando para o Congresso Nacional. A única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%. Essa é a coisa errada. Não há nenhuma explicação. A inflação está 4 e pouco. É uma inflação totalmente controlada. Totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia. Não é do governo federal. Então, nós vamos cuidar disso também.
Só encerrando, então, a gente está há 15 dias de completar a metade do seu mandato. O senhor pode dizer para a gente o que o senhor considera que o senhor gostaria que tivesse concluído já nesses 2 anos e não está, e o que é prioridade para os próximos 2 anos.
Deixa eu te dizer uma coisa. Tudo que foi planejado a gente fazer até agora está cumprido. Tudo. Tudo. A gente, primeiro, precisou criar novos ministérios, recolocar os ministérios que já existiam. A gente precisou repor muitos postos de trabalho que estavam defasados. Então, veja, nós fizemos o PAC. Nós lançamos todos os programas que tinham que ser lançados. E eu tenho dito para os meus ministros, nós já plantamos. Agora 2025 é ano da colheita. Agora vamos começar a colher o que nós plantamos em 2025 e 2026. E as coisas vão acontecer nesse país. Eu estou olhando para o seu rosto, senhor, e estou vendo o povo brasileiro. É um compromisso de honra meu. As coisas vão acontecer nesse país.
JANJA
A primeira-dama também falou ao “Fantástico”:
Janja Lula da Silva – Na 2ª feira, eu olhei que ele não estava muito bem, estava reclamando dor nas costas, a perna puxando, e eu já fiquei assim. Mas até a hora do almoço ele estava bem. Ele começou a decair durante a tarde, e aí a gente foi pro Sírio, e eu posso te dizer que aquela… Depois da noite que a minha mãe faleceu, aquela foi a pior noite pra mim.
Porque eu não sabia como que a gente ia amanhecer o dia de 3ª feira. Então foi realmente momentos angustiantes de não saber o que que ia acontecer. Mas graças a Deus a gente está aqui hoje, ele está bem. Hoje a gente estava saindo aqui do hospital, ele trocando de roupa, eu realmente fiquei emocionada de estar vendo ele bem vestindo um blazer.
Você foi nesse nível de preocupação de achar que não ia sair com ele daqui?
Era bem grave a situação. Foi um momento bem delicado, então… Claro, isso passa pela cabeça da gente, mas a gente está aqui firme e forte pra seguir cuidando do país e cuidando de mim também.
ROBERTO KALIL
O médico pessoal de Lula, há mais de 20 anos, o cardiologista Roberto Kalil Filho, também falou ao “Fantástico”.
Foi uma situação assim tão grave, risco iminente de morte?
Roberto Kalil Filho – Foi, foi uma situação grave. O quadro que eu entrei foi extremamente grave. Requeria, obviamente, atendimento de emergência, mas sim, corri o risco de acontecer o pior. Eu estava naquela plataforma já esperando pra entrar no avião. E obviamente sempre tem angústia de como o paciente vai chegar. Quando assim, nem abriu a porta do avião, eu já me joguei pra dentro do avião, eu entrei rápido no avião, ele veio em pé me receber. Só que eu tive um susto do bem, estou falando. Nossa, a pessoa jogou bem, foi em pé, veio andando. Aí, obviamente, colocamos ele na ambulância, e chegamos no hospital, a equipe médica, a equipe do Dr. Marco Gustavo já estava pronta, no centro cirúrgico, na sala cirúrgica, ele foi direto pra sala cirúrgica e aconteceu a cirurgia.