COP29: O que aprendemos em Baku – 14/12/2024 – Candido Bracher


Hoje já não é mais necessário iniciar uma discussão sobre a questão do aquecimento global apontando as mais recentes catástrofes climáticas para evidenciar a existência da ameaça; há consenso mundial, amparado pela ciência, em relação à gravidade da situação. O s poucos grupos que discordam, por poderosos que possam ser, têm interesses imediatistas em ignorar o problema, como veremos à frente.

Tampouco há divergências quanto às causas do aquecimento —as emissões de gases de efeito estufa (GEE)— ou mesmo em relação à solução necessária —a redução a zero das emissões de GEE, conhecida como “net zero”.

Isso é evidente, mas vale enfatizar que são raros os problemas que apresentam tamanha concordância universal quanto a estes três aspectos básicos: sua existência, suas causas e sua solução. Tudo isso não obstante, há razões fundadas para grande preocupação (quase um eufemismo) quanto às possibilidades de efetivamente limitarmos o aquecimento a 1,5ºC ou 2ºC, preservando boas condições de vida humana no planeta.

Devemos isso justamente ao fato de o aquecimento ser global, exigindo uma articulação também global para sua superação. Há mais de 30 anos esse entendimento vem sendo buscado em diversos foros internacionais, sendo o mais representativo deles a reunião anual da COP, a conferência do clima. A mais recente delas, em Baku, no Azerbaijão, não traz bons augúrios, embora haja frestas por onde se possa ver alguma luz.

Em Baku, ficou claro que a solução do aquecimento global tem no setor de petróleo um adversário poderoso. Com a presença de 1700 lobistas e a atuação intransigente de Arabia Saudita e Rússia, o setor conseguiu não apenas evitar a inclusão de qualquer referência aos próximos passos da “transição para longe dos combustíveis fósseis” como até substituir por uma referência indireta a própria repetição dessa expressão, que foi tão celebrada ao final da COP28, em Dubai. Longe de ser uma questão apenas semântica, a alteração no texto ilustra, senão um retrocesso, ao menos um retardamento na eleição da redução da queima de combustíveis fósseis como principal medida de combate ao aquecimento.

Houve ainda motivos mais concretos para frustração com a COP29. Designada como COP das finanças, esperava-se da reunião a definição do valor anual da contribuição dos países ricos aos países em desenvolvimento, para financiamento de sua transição energética. Essa definição saiu apenas na prorrogação da reunião, que esteve seriamente ameaçada de encerrar-se sem acordo. Ao final, as nações emergentes concordaram com um valor anual de US$ 300 bilhões, muito inferior ao US$ 1,3 trilhão considerado o necessário pelos analistas especializados. Prevaleceu a ideia de ser preferível esse mau acordo agora a chegar à COP30, em novembro de 2025, em Belém, sem nenhum acordo e tendo pela frente o bloco desenvolvido sob a influência dos EUA de Trump.

Àqueles que consideram a soma de US$ 1,3 trilhão anuais muito elevada convém lembrar que o valor representa cerca de 1,5% do PIB agregado das 20 nações mais ricas.

Você investiria 1,5% de sua renda anualmente se isso fosse necessário para prevenir-se do maior problema à sua frente?

Mas nem tudo foram más notícias em Baku. A reunião iniciou-se com a muito esperada regulamentação do artigo 6. Explico: no acordo de 2015, em Paris, as diversas nações comprometeram-se com a redução de suas emissões a zero. O artigo 6 faculta a essas nações utilizar em sua contabilidade reduções obtidas por outros países, mediante a negociação de “créditos de carbono”. Isso permitirá aos países que excedam seu compromisso negociar o excedente com países que estejam aquém de suas metas.

Para o Brasil, que tem uma matriz energética limpa, escalável, e um enorme potencial de captura de carbono em suas florestas e áreas degradadas, isso representa a possibilidade de obter recursos justamente para a preservação dessa natureza ameaçada, cuja derrubada é hoje nossa principal fonte de emissões. Essa regulação esteve pendente desde 2015 em razão de forte oposição de setores do ambientalismo mundial à compensação de emissões; sua concretização é uma vitória da diplomacia dos países tropicais.

Em uma conjunção particularmente feliz de eventos, a regulação do artigo 6 ocorre simultaneamente à aprovação pelo Congresso da lei do mercado de carbono nacional, criando as melhores condições já alcançadas para o desenvolvimento desse mercado.

Houve ainda sinais positivos vindos da China, que pode atingir o ponto de inflexão de suas emissões em 2025, cinco anos antes de seu compromisso. Notícias dos jornais internacionais dão conta de que, durante as tensas negociações que antecederam o anúncio final, o país acenou favoravelmente a contribuir e ampliar o pacote de US$ 300 bilhões, caso os outros países o fizessem também (o que não ocorreu). Tudo leva a crer que a China deva adotar uma postura mais ativa em questões de clima, até para contrastar com a orientação mais retrógrada que certamente será imprimida pelos EUA de Trump.

Finalmente, depreende-se também da leitura da imprensa internacional a alta consideração em que nossos principais negociadores —Ana Toni e André Correa do Lago— foram tidos pelos seus pares, como resultado de sua atuação destacada nas negociações. Tanto na questão do artigo 6 quanto nas discussões finais, sua atuação foi considerada relevante para o alcance dos acordos.

É muito bom saber que contamos com uma equipe de primeira, pois há muito a ser feito até a COP30, em Belém, em novembro de 2025. No front financeiro, os US$ 300 bilhões precisam ser viabilizados e esforços devem ser envidados para ampliar o volume; há uma série de providências necessárias para a implementação de negócios sob o artigo 6, fundamentais para a preservação da floresta; e será necessária grande habilidade e articulação para reintroduzir o foco no “transitional way”, termo que designa a substituição progressiva e acelerada dos combustíveis fósseis.

Estamos atrasados para a designação do presidente e do Champion da COP30, que serão fundamentais para a consecução dos objetivos acima. E não custa lembrar que ainda esperamos a atribuição de uma autoridade climática que possa centralizar todas as discussões e medidas relativas ao tema.

Já passa da hora de reconhecermos a urgência da questão climática.


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