Time é campeão na Argentina com técnico que combateu na Guerra das Malvinas


Com a vitória por 1 a 0 nesta quarta-feira (11), em Santa Fe, o pequeno Central Córdoba surpreendeu o Vélez Sarsfield e conquistou o título da Copa Argentina, que dá ao clube uma vaga inédita na Libertadores de 2025.

Técnico dos Ferroviarios, Omar De Felippe somou sua primeira taça na elite do futebol argentino. Este não é, porém, o maior feito da trajetória incomum do ex-jogador de 62 anos.

No início da década de 1980, De Felippe equilibrava a vida entre as categorias de base do Huracán e o serviço militar. Em 1981, tratava o período no Exército como uma obrigação passageira enquanto sonhava com uma carreira no futebol.

O ano seguinte, contudo, reservaria ao soldado uma experiência que mudaria sua vida.

Início da Guerra das Malvinas

No dia 2 de abril de 1982, o presidente (e ditador) Leopoldo Galtieri ordenou a invasão de tropas nas Ilhas Malvinas — ou Falkland, segundo os britânicos, que disputavam com os argentinos havia décadas a soberania do arquipélago.

Quando acordou no dia 3, data em que comemorou o aniversário de 19 anos, a mãe de De Felippe chorava com uma carta na mão. Era uma convocação do Exército Argentino para viajar e combater nas Malvinas.

“Éramos mais ou menos uns 100 [soldados] no chão do avião, que era um avião comercial, mas sem assentos. Na viagem de seis horas até Río Gallegos ninguém falou nada. E nem de Río Gallegos até as Malvinas. Foi aí que dissemos: ‘A coisa é séria””, contou Omar De Felippe à Revista El Gráfico.

Durante os dias de combate, o soldado carregava consigo, além de sua arma e de munição, três cartas: uma de sua mãe, outra da namorada e uma dos ex-companheiros e colegas de Huracán.

No início, alguns jovens se feriam de propósito, para voltar para casa. Quando estavam limpando as armas, davam um tiro no próprio pé. Diziam que tinha escapado… E voltavam para a Argentina. Quando muitos começaram a fazer isso, os chefes perceberam e disseram ‘bom, daqui em diante quem estiver ferido vai ficar’”. Eu nunca teria feito isso. Tinha a motivação de jogar no Huracán. Meu medo era perder um membro e não poder continuar jogando

Omar De Felippe

Os argentinos chegaram a ocupar as Malvinas por cerca de dois meses. Porém, os britânicos logo retomaram o controle. Mais de 600 argentinos morreram no combate, enquanto os britânicos perderam mais de 200 soldados.

O saldo da ação militar foi extremamente negativo para o governo de Galtieri, que renunciou em junho após o fracasso nas Malvinas. Em 1983, a democracia foi reinstaurada na Argentina.

De Felippe (esq.) durante a Guerra das Malvinas
De Felippe (esq.) durante a Guerra das Malvinas • Reprodução

Finalmente, o futebol

Omar De Felippe foi um dos soldados argentinos que voltaram ao país e puderam contar a história do que viveram no arquipélago naqueles meses de 1982.

Apesar do trauma da guerra, o sonho de triunfar no futebol estava intacto. De Felippe pôde voltar ao Huracán e estreou pelo clube no futebol profissional em 1983. Em uma carreira curta, que durou cerca de 11 anos, defendeu outros clubes como Arsenal, Once Caldas (da Colômbia), Villa Mitre, Rosario Puerto Belgrano e Olimpo.

De Felippe (esq.) na época em que atuou pelo Huracán
De Felippe (esq.) na época em que atuou pelo Huracán • Arquivo pessoal/Omar De Felippe

Depois de pendurar as chuteiras, iniciou sua trajetória no comando técnico. Primeiro como assistente de Ricardo Zielinski no San Telmo. Sua primeira oportunidade como treinador de fato foi no time que o viu se aposentar dos campos, o Olimpo, em 2009.

Campeão da B Nacional, levou a instituição à primeira divisão do futebol argentino.

A conquista com o Olimpo era a única de Omar De Felippe no país até o título desta quarta-feira, em Santa Fe, comandando o modesto Central Córdoba, que em 2025 jogará a Copa Libertadores pela primeira vez na história.

Após a vitória sobre o Vélez e perguntado a respeito de sua experiência como soldado, De Felippe comparou a Guerra das Malvinas com o trabalho no futebol profissional.

“Nas Malvinas aconteceu conosco o que acontece com qualquer argentino, que levanta às 5h da manhã, toma um ônibus e não tem o suficiente. Lá era assim: você tinha fome, frio, precisava levantar e seguir para buscar comida como pudesse. Era preciso subsistir. Aqui é igual, é necessário se impor em tudo”, disse o treinador dos Ferroviarios.

“Estou agradecido aos muitos veteranos que torceram pelo Central Córdoba por mim. Sinto que represento eles de alguma forma. É preciso acreditar no que é feito e a partir disso virão as alegrias, como a de hoje [com o título da Copa Argentina], que não vou me esquecer”, completou o ex-combatente, agora técnico campeão.





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