Até dias atrás, observadores do mercado financeiro se perguntavam: o que será capaz de fazer o dólar cair abaixo de R$ 6? Os acontecimentos desta semana trouxeram a resposta. O que “aliviou” os operadores foi, primeiro, a especulação sobre a saúde do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). E, depois, a “pancada” do Banco Central, que promoveu a maior alta de juros em dois anos e meio.
Os dois “eventos” levaram a taxa de câmbio ao menor patamar desde o fim de novembro, quando o governo apresentou um pacote de contenção de gastos considerado frustrante pelo mercado. Entre as medidas anunciadas pelo ministro Fernando Haddad, da Fazenda, está uma reforma no Imposto de Renda, encarada como uma nova prova de que a preocupação do governo é mais eleitoral que fiscal.
Na segunda-feira (10), o dólar alcançou sua maior cotação nominal de fechamento, de R$ 6,08, sob influência da paralisia do pacote fiscal no Congresso. A melhora do mercado começou no dia seguinte, quando se soube da cirurgia feita às pressas para drenar uma hemorragia dentro do crânio do presidente. O dólar fechou em queda de 0,6%, cotado pouco abaixo de R$ 6,05. A B3, Bolsa de Valores, subiu 0,8%.
“Fico até sem jeito de falar isso uma vez que se trata da vida de alguém, mas nitidamente a Faria Lima vê com bons olhos essa piora do quadro clínico do presidente”, escreveu o economista André Perfeito, em comentário enviado à sua lista de transmissão. “A leitura é que as chances de Lula concorrer em 2026 diminuem e assim nomes da direita tendem a ganhar força na corrida eleitoral, o que poderia indicar ajustes fiscais mais fortes lá na frente”.
Na tarde de quarta (11), o mesmo economista resumiu da seguinte forma as negociações: “Bolsa sobe 2 mil pontos e dólar cai abaixo dos R$ 6 depois de notícia sobre novo procedimento em Lula. Pronto, o comentário era esse. E todos nós sabemos o que isso quer dizer”. A Bolsa fechou o dia em alta de 1%. O câmbio, em baixa de 1,3%, vendido a R$ 5,97. Além da saúde do presidente, a expectativa de forte alta da taxa básica de juros (Selic) também parece ter influenciado as operações.
Nesta quinta (12), o médico de Lula informou que o procedimento realizado de manhã cedo “foi um sucesso” e que o presidente deve ter alta no início da semana que vem. O que, a julgar pelo comportamento dos últimos dias, pode abalar o humor das mesas de investimentos. O dólar começou o dia em nova queda, chegando a cair abaixo de R$ 5,90, também sob influência de um leilão de dólares promovido pelo BC. Por volta de 11h20, porém, a moeda era vendida a R$ 5,94.
O mercado parece reagir ao aumento de 1 ponto porcentual da Selic e, principalmente, a um aviso dado pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Segundo o comunicado, a tendência é de que 2025 comece com duas altas do mesmo tamanho.
Segundo um índice próprio da consultoria LCA, o texto divulgado nesta quarta foi o mais “hawkish” (duro) desde 2016, ano em que Dilma Rousseff (PT) foi deposta. Vale lembrar que a Selic ficou 15 meses estacionada em 14,25% ao ano entre julho de 2015 e outubro de 2016 – e é para esse patamar que o BC pretende levar a taxa no começo do próximo ano.
O economista-chefe da G5 Partners, Luiz Otávio Leal, descreveu o movimento do BC como “agressivo” e disse entender que ele tem dois objetivos. “O primeiro seria dar um choque de credibilidade, mostrando que o Banco Central vai fazer de tudo para trazer a inflação para a meta, independentemente da postura fiscal do governo. O segundo seria dirimir as dúvidas com relação à postura do BC quando da mudança da sua diretoria e, principalmente, do seu presidente”
Em janeiro, Gabriel Galípolo, indicado de Lula, passa a comandar a autoridade monetária, em substituição a Roberto Campos Neto. Com outras substituições já programadas, o Copom terá sete integrantes nomeados pelo atual governo e dois remanescentes da gestão de Jair Bolsonaro (PL).
A maior dúvida do mercado era sobre as primeiras decisões do BC sob o comando de Galípolo. Com a sinalização feita nesta quarta, ficam “contratados” dois aumentos fortes na Selic já na largada, o que parece tranquilizar investidores. Vários economistas ligados a bancos e casas de investimento afirmaram esperar queda do dólar no curto prazo.
“A decisão ousada e a orientação futura demonstram o compromisso do Banco Central em conter a inflação e as expectativas inflacionárias, além de recuperar sua credibilidade e a confiança dos investidores. Esperamos que o real reaja positivamente à notícia”, escreveu Eirini Tsekeridou, analista de renda fixa do banco suíço Julius Baer.
Para Claudio Pires, sócio-diretor da MAG Investimentos, com a decisão desta quarta o Banco Central se colocou “à frente do mercado” e não mais “atrás da curva”. “O BC antecipou muito mais do que o mercado acreditava, o que deve ser bem recebido pelo mercado”, apontou.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) usou palavras como “incompreensível” e “totalmente injustificada” para definir a escolha do Copom. “Não faz sentido no atual contexto econômico, marcado pela desaceleração da inflação em novembro e pelo pacote efetivo de corte de gastos apresentado pelo governo federal”, afirmou a entidade, em nota.