O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou em rede nacional os planos do governo federal para conter os gastos nos próximos anos.
O que frustrou os agentes econômicos nesta quarta-feira (27) foi o fato de que, além das medidas de controle, Haddad anunciou a isenção de Imposto de Renda (IR) às pessoas que recebem até R$ 5 mil.
A avaliação é de que, ao juntar um anúncio de renúncia fiscal ao momento de contenção de gastos, o governo agrava uma relação que já vinha tensa com a demora para anunciar o pacote.
“Atrapalha o momento agora, que já é muito estressado em termos de precificação de mercado. Deveria primeiro terminar o assunto do pacote, tirar essa pressão e ao longo do próximo ano debater a outra pauta. Fazer uma coisa de cada vez, não confundir os assuntos”, defende Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital.
Gabriel Fongaro, economista sênior do Julius Baer Brasil, reitera que juntar as duas coisas neste momento não foi adequado.
“A equipe econômica ficou mais de um mês elaborando propostas para conseguir um corte de gastos que, em dois anos, pode trazer uma economia de cerca de R$ 70 bilhões. Disso, penas uma parcela vem de medidas estruturais. A isenção do IR traz um impacto estrutural que traz a sensação de que o pacote já nasce morto”, enfatiza Fongaro.
Dentre as medidas anunciadas por Haddad, foram englobadas mudanças no abono salarial, aposentadoria dos militares, pensões, emendas parlamentares e a adequação do crescimento do salário mínimo ao intervalo do arcabouço fiscal, proposta que era amplamente defendida pelo mercado.
Apesar de irem na direção certa do que era sinalizado como necessário pelos agentes econômicos, o potencial das medidas acabou ofuscado, segundo Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter.
“O anúncio da isenção de IR traz mais incerteza para a trajetória fiscal em 2026, e indica que o governo deve ter nova expansão fiscal no próximo ano eleitoral”, afirma Vitória.
Com a sinalização do anúncio, o mercado foi tomado por mal estar ao longo do dia, de modo que o dólar encerrou esta quarta no maior patamar da história do real, cotado em R$ 5,91.
Devido o mal humor, a avaliação de Murilo Viana, economista especializado em contas públicas, é de que a desconfiança seguirá aumentando, a inflação subindo e os juros se sustentando em patamar elevado, de modo a desacelerar o crescimento econômico.
“Junta-se a isso a incerteza global com Trump e cenário geopolítico mais desafiador, tudo indica que o mundo será mais inflacionário. Soma-se às dificuldades de entregar resultados fiscais sólidos o cenário de escalada de juros. A relação dívida/PIB sofre com essa combinação, agudizando as incertezas e a percepção de risco”, pontua Viana.
Tatiana Pinheiro reitera que essa isenção é custosa, tendo em vista que a renda média do país é de cerca de R$ 3,2 mil. “Uma parte significativa da arrecadação vem justamente dessa parte que se pretende fazer a isenção”, pontua.
O governo estima que a taxação de quem ganha acima de R$ 50 mil mensais deve compensar as renúncias tributárias com o aumento da isenção de IR.
“Parece que dá conta de uma grande parte da isenção, mas ainda tem que ver o detalhamento”, conclui a economista-chefe da Galapagos.
Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos, também questiona o detalhamento das medidas.
“A isenção será integralmente coberta pela taxação de quem ganha acima de R$ 50 mil? Se sim, qual será a alíquota proposta para esta faixa de renda? Este nos parece ser o ponto de maior preocupação, por poder representar uma importante perda de receita para o governo”, indaga.
Os ministros da Fazenda, Haddad; do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet; e da Casa Civil, Rui Costa; se reúnem na manhã desta quinta-feira (28) para detalhar as medidas em uma coletiva de imprensa.
Contraponto
Na ponta oposta, Guilherme Klein, professor do Departamento de Economia da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made-USP), defende o momento do anúncio.
Do seu ponto de vista, se o governo é cobrado pelo mercado a controlar despesas, deveria fazer isso lado a lado com uma redução da regressividade tributária brasileira e a consequente redução da desigualdade de renda no país.
“A isenção vai beneficiar um número grande de contribuintes, sobretudo na classe média. Enquanto no regime atual o imposto de renda incide sobre os 22% mais ricos, a partir da isenção, ele incidirá apenas sobre os 8% mais ricos. Ou seja, uma parte muito significativa da população ficará isenta de imposto sobre a renda”, pontua Klein.
Economistas ouvidos pela CNN estimam que o impacto da isenção é de cerca de R$ 400 para os contribuintes, o que pode chegar a um aumento de 20% no salário líquido do trabalhador, a depender de sua faixa de renda.
“O custo da isenção depende do desenho específico na política, mas pelos nossos cálculos no Made-USP, a tributação sobre o indivíduo com renda anual superior a R$ 1 milhão é mais do que o suficiente para compensar o aumento da faixa de isenção, seja com a alíquota mínima de 12% ou 15%”, reitera.
Segundo Klein, a isenção deve aumentar o consumo das famílias e, consequentemente, movimentar a economia do país. “Como consequência, é provável que o investimento também cresça”, observa.