Presidente, Jair Bolsonaro não seguiu o roteiro dos líderes populistas que chegam ao governo. Não usou os instrumentos ao seu dispor para mudar as leis a fim de submeter o Congresso, controlar o Judiciário, calar a imprensa e emparedar as oposições.
Sua estratégia foi outra. Tratou de desacreditar o DNA da democracia: a escolha dos governantes em eleições periódicas e livres, com o respeito à vontade da maioria. Não deixou de fazer ameaças ao Supremo Tribunal Federal e aos meios de comunicação. Mas investiu mesmo, com virulência e constância, contra as instituições eleitorais —em especial o sistema eletrônico de votação e o ramo do Judiciário que zela pela lisura dos pleitos. Preparou-se para continuar no poder —pela lei, se as urnas o favorecessem; pela força, se derrotado.
Assim, dedicou-se a obter o apoio das Forças Armadas, enaltecendo o seu papel; resguardando aposentadorias e benefícios da tesoura da reforma da Previdência; defendendo os soldos; distribuindo recursos para projetos militares; frequentando as cerimônias típicas da vida castrense; e, por último, mas não menos importante, multiplicando a presença de fardados nos diversos escalões da administração federal, em cargos tipicamente civis. Convencido do êxito da própria obra, imaginou contar com as fardas para manter-se no poder a todo custo.
Só que o ex-capitão deu com os burros n’água. Fracassou o golpe tramado no coração do governo, em órgãos que, no organograma oficial da Presidência da República, são chamados essenciais —a Secretaria-Geral, o Gabinete Pessoal do Presidente e o Gabinete de Segurança Institucional. Faltou-lhe o fundamental: o apoio dos generais do Alto-Comando das três Armas.
As instituições democráticas mostraram o quanto estão enraizadas até ali onde foram submetidas à investida sistemática dos golpistas. Mesmo assim, não se pode subestimar o estrago produzido pela estratégia do ex-presidente ora indiciado por crime contra o Estado de Direito.
O número de militares envolvidos na trama golpista, a violência de sua retórica e o misto de desprezo e ódio que dedicaram aos colegas de farda refratários à aventura autoritária são indícios de que, graças a Bolsonaro e seus assessores diretos, a política partidária voltou aos quarteis e os dividiu de cima a baixo.
Um dos grandes êxitos do regime da Constituição de 1988 foi ter afastado os militares do jogo político.
Pouco apreciado por analistas —que talvez imaginem que o Brasil possa se espelhar na desmilitarizada Costa Rica—, o feito não dispensou paciência e discreta determinação, além de concessões à mentalidade da caserna. Seu ponto alto foi a criação do Ministério da Defesa sob liderança civil.
Um feito e tanto, que distingue os últimos 36 anos do longo período entre o advento da República (1891) e o fim do regime autoritário (1984), quando os militares estiveram intensamente envolvidos nos conflitos políticos, com consequências igualmente nefastas para as liberdades públicas, a democracia e a integridade das Forças Armadas.
A volta aos trilhos da Nova República talvez exija da elite civil uma visão mais clara do papel dos militares; e da elite militar uma doutrina mais atualizada de sua missão.
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