No próximo verão, os Estados Unidos sediarão um evento que pode definir o legado do presidente da Fifa (Federação Internacional de Futebol), Gianni Infantino.
O Mundial de Clubes, com 32 equipes de ligas de todo o mundo, é a inovação emblemática de Infantino, uma competição à qual ele está tão ligado que seu nome aparece no troféu do campeonato recém-criado não uma, mas duas vezes.
O torneio acontecerá em junho e julho em estádios dos Estados Unidos e é uma tentativa de concretizar a frase frequentemente citada de Infantino sobre tornar o futebol “verdadeiramente global”. É sua ambição criar um torneio quadrienal de clubes que se tornará um dos principais eventos esportivos e perdurará muito depois que ele deixar o cargo.
Mas, apesar das grandes esperanças de Infantino, não há garantia de que o torneio será um sucesso. Obstáculos e erros de percurso têm manchado o caminho até o primeiro jogo, e uma enorme incerteza sobre seu financiamento persiste, mesmo com o sorteio do evento marcado para acontecer em Miami em 5 de dezembro.
Na Europa, ligas e o sindicato global de jogadores entraram com ações judiciais sobre o que dizem ser movimentos unilaterais de Infantino e da Fifa para adicionar mais eventos a um calendário global já congestionado que coloca em risco a saúde dos jogadores. Os fãs também expressaram descontentamento com o fato de que, em um esforço para gerar interesse, a Fifa parece ter encontrado uma maneira de garantir uma vaga para a equipe de Lionel Messi, o Inter Miami, eliminada dos playoffs da MLS na rodada de abertura. Isso aconteceu apesar da insistência de Infantino de que o torneio seria o mais meritocrático do mundo. Mas algumas das maiores preocupações persistem em torno do modelo de negócios do evento.
Com menos de um ano para o torneio, a Fifa, que manteve suas projeções de receita guardadas, começou a compartilhar alguns dos detalhes com um círculo mais amplo de oficiais e algumas das 32 equipes participantes. Isso inclui alguns dos maiores da Europa, como o Real Madrid, que exigiram taxas significativas de oito dígitos, além do prêmio em dinheiro, para participar.
A Fifa deve equilibrar as necessidades e demandas dessas principais equipes europeias com concorrentes de regiões de futebol menos conhecidas, como o Oriente Médio e a África, garantindo que os pagamentos reflitam tanto o status das equipes, quanto sua promessa de que o torneio é meritocrático e verdadeiramente global. Cerca de 10% da receita do torneio deve ser usada para os chamados pagamentos de solidariedade, para membros da Fifa e clubes não participantes.
A pressão de custo das demandas de prêmios em dinheiro dos clubes é separada da quantidade de dinheiro necessária para realizar um evento de classe mundial de um mês nos Estados Unidos, que a Fifa inicialmente estimou em US$ 1,2 bilhão (R$ 7 bilhões).
Nas atualizações mais recentes, os responsáveis disseram que haviam orçado economias de custos que reduziriam a despesa para entre US$ 1 bilhão (R$ 5,8 bilhões) e US$ 800 milhões (R$ 4,6 bilhões), deixando uma projeção de pelo menos US$ 1 bilhão em receita líquida, dinheiro que poderia ser usado para pagar os clubes participantes.
Esse lucro assume que a Fifa atinja metas comerciais que desafiam as expectativas da maioria dos analistas e especialistas do setor. A entidade disse aos stakeholders que o Mundial de Clubes gerará US$ 800 milhões em direitos de mídia e entre US$ 1 bilhão e US$ 1,2 bilhão em vendas de parcerias e patrocínios, até quatro vezes as estimativas.
No entanto, vários especialistas que já trabalharam com a Fifa ou compraram direitos da organização estimaram que a totalidade da competição, incluindo direitos comerciais e de transmissão, valia mais na faixa de US$ 500 milhões (R$ 2,9 bilhões) a US$ 700 milhões (R$ 4 bilhões).
“Há uma falta de confiança no mercado em relação ao torneio”, disse Simon Thomas, ex-diretor comercial da Fifa contratado por Infantino. “Por muito tempo, patrocinadores e emissoras não acreditaram no torneio —estavam céticos se ele aconteceria. Talvez com mais tempo, um plano de marketing e compromissos visíveis dos clubes, eles teriam embarcado mais cedo. Mas não houve tal comunicação. O que torna difícil vendê-lo em um curto espaço de tempo agora.”
A Fifa foi forçada a iniciar uma oferta tardia para vender os direitos de mídia este ano, depois que os planos para a Apple transmitir o torneio globalmente falharam porque a empresa de tecnologia americana não concordou com a avaliação de Infantino.
“O interesse do mercado é muito forte”, disse a Fifa em um comunicado, acrescentando que esperava que seu programa de patrocínio para o torneio estivesse “totalmente esgotado”. Não comentou sobre as vendas de direitos de mídia ou suas previsões.
A Fifa disse que os executivos dos clubes “têm sido extremamente favoráveis ao torneio e sua natureza competitiva”. Essa caracterização parece estar em desacordo com os comentários de alguns dos maiores nomes do esporte. No último fim de semana, o presidente do Real Madrid, Florentino Pérez, reclamou sobre o risco de lesões para seus jogadores já sobrecarregados.
“A falta de descanso afeta as carreiras dos jogadores”, disse ele, algumas horas antes de o astro Vinicius Junior lesionar o tendão. “A Fifa criou um Mundial de Clubes que privará os jogadores de seu descanso habitual.”
A pressão agora está sobre Infantino para que o torneio seja um sucesso.
“Se esses números não estiverem certos, haverá uma reação negativa significativa”, disse Chris Lencheski, fundador da SKI Partners, uma empresa de consultoria esportiva e de mídia, e professor adjunto da Universidade de Columbia.
Talvez o suficiente, disse ele, “para derrubar carreiras”.