Anotações encontradas em uma agenda do ex-ministro e general da reserva Augusto Heleno mostram uma espécie de rascunho que visava dar à Advocacia-Geral da União (AGU) o poder de ser um “órgão revisor” de decisões judiciais, de acordo com investigação da Polícia Federal (PF).
Um dos objetivos seria impedir a própria PF durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) de executar ordens da Justiça “contra seu grupo político e apoiadores”.
O texto previa, inclusive, prisão em flagrante de delegado que cumprisse a ordem judicial que fosse considerada “inconstitucional” pela AGU.
As anotações na agenda estão escritas à mão. Heleno ocupou o cargo de ministro do Gabinete de Segurança Institucional do governo Bolsonaro.
As conclusões estão em relatório da PF tornado público nesta terça-feira (26) sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder, depois das eleições de 2022.
Conforme a PF, o texto encontrado na casa de Heleno descreve o que seria um fluxo institucional em que a AGU seria acionada pelo Ministério da Justiça e poderia emitir pareceres afirmando que decisões judiciais classificadas como inconstitucionais não seriam cumpridas.
Após manifestação da AGU, o Ministério da Justiça daria ciência ao diretor-geral da Polícia Federal para “desdobramentos”, que incluiria o acionamento das Forças Armadas. A anotação não deixa claro para qual motivo.
O presidente da República ainda teria que aprovar a decisão da AGU. Como consequência, narrou a PF, caso alguma autoridade policial descumprisse o parecer do órgão, “cometeria crime de responsabilidade”.
“Os elementos de prova não deixam dúvidas de que a organização criminosa estava elaborando estudos para de alguma forma tentar coagir integrantes dos sistema de persecução penal para que as investigações contra seus integrantes fossem cessadas, ainda que pela aprovação de verdadeiras aberrações jurídicas, como um parecer administrativo declarar uma ordem judicial inconstitucional, colocando a AGU como órgão revisor de decisões jurisdicionais, fato não abarcado pela Constituição Federal de 1988”, concluiu a PF.
Os investigadores também localizaram ideias semelhantes elaboradas pelo então diretor-geral da Agência Brasileia de Inteligência (Abin) e hoje deputado, Alexandre Ramagem (PL-RJ).
Em texto encaminhado a Bolsonaro, ele explicou que pareceres da AGU “respaldarão o não atendimento de medidas judiciais por estarem manifestamente contrárias à lei”.
Segundo a PF, a estratégia visava “confrontar as decisões judiciais emanadas pelo STF que pudessem atingir os interesses de Jair Bolsonaro”.
Alexandre Ramagem e Augusto Heleno, além de Bolsonaro, fazem parte do grupo de 37 pessoas indiciadas pela PF por suspeita de participação na tentativa de golpe. Eles foram indiciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa.
À CNN, o advogado de Heleno, Matheus Milanez, disse que não vai se manifestar. A reportagem tenta contato com a defesa de Ramagem.
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