Eduardo Nilson, da Fiocruz, analisa o crescente vício brasileiro na substância; são 12 mortes por hora relacionadas ao consumo
O abuso do álcool é uma “emergência de saúde pública”. É o que diz o pesquisador Eduardo Nilson, pós-graduado em ciências biológicas pela UnB (Universidade de Brasília) e autor de um estudo divulgado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) no início de novembro. O levantamento identificou que o consumo de álcool causa 12 mortes por hora no Brasil.
Em entrevista ao Poder360, Eduardo Nilson explicou como o impacto do álcool diminui a expectativa de vida da população e como o governo federal deve tratar o crescimento do vício a partir da inserção de bebidas alcoólicas na reforma tributária.
O estudo “Estimação dos Custos Diretos e Indiretos atribuíveis ao Consumo do Álcool no Brasil” foi realizado pela Fiocruz Brasília por meio do Palin (Programa de Alimentação, Nutrição e Cultura), a pedido das organizações Vital Strategies e ACT Promoção da Saúde. Eis a íntegra (PDF – 3 MB). Segundo o levantamento, o consumo de bebidas alcoólicas representou um custo para o Brasil da ordem de R$ 18,8 bilhões em 2019.
Desse total, R$ 1,1 bilhão são relativos a custos federais diretos com hospitalizações e procedimentos ambulatoriais no SUS (Sistema Único de Saúde). O levantamento usou como base estimativas de mortes atribuíveis ao álcool feitas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e levou em consideração para o cálculo de custo um total de 104,8 mil mortes em 2019 no Brasil, o que dá uma média de 12 óbitos por hora.
Para o pesquisador, “os números são muito alarmantes, mas muito subestimados também”. Segundo o estudo, os outros R$ 17,7 bilhões são referentes a custos indiretos –como perda de produtividade pela mortalidade prematura, licenças e aposentadorias precoces decorrentes de doenças associadas ao consumo de álcool, perda de dias de trabalho por internação hospitalar e licença médica previdenciárias.
Os dados epidemiológicos extraídos consideraram um conjunto de 24 doenças relacionadas ao consumo de álcool do CID (Código Internacional de Doenças).
Na tabela de medidas, 12 gramas por dia equivalem a uma lata de cerveja (330 ml), uma taça de vinho (100 ml) ou uma dose de destilado (como 30 ml de uísque), segundo a OMS.
Leia o risco relativo das doenças associadas ao consumo de álcool por faixa de consumo. Quando maior o número, maior o risco. Para abrir em outra aba, clique aqui:
CONSUMO POR GÊNERO
Na divisão por gênero, o custo do SUS com a hospitalização de mulheres por problemas ligados ao álcool é 20% do total. Um dos motivos é que o consumo por mulheres é menor. Na PNS (Pesquisa Nacional de Saúde) 2019, cerca de 30% das mulheres relataram ter consumido álcool nos 30 dias anteriores à pesquisa, enquanto o percentual masculino foi de 63%.
Outro motivo é que as mulheres procuram mais os serviços de saúde e fazem exames de rotina. Desse jeito, são tratadas antes que tenham complicações mais graves.
“Dentre os tantos fatores para o aumento no consumo, vejo a indústria como um grande potencializador do aumento no consumo. Há uma indústria do vício que patrocina grandes eventos, como shows, corridas e festivais”, disse Eduardo.
MEDIDAS DE CONTENÇÃO
Em 31 de outubro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou as novas imagens antitabagismo que estamparão embalagens de cigarros a partir de novembro de 2025. A medida, que foi implantada em 2001, é considerada “best buy” pelo pesquisador da Fiocruz, ou seja, de grande custo-benefício para o governo federal.
“É uma questão global que com certeza auxiliaria no combate ao consumo do álcool no Brasil sem gastar tanto assim, conscientizando a população. Essa questão de informar o consumidor é relativamente nova, então creio que não existam países que tenham desenvolvido um modelo pleno assim ainda. A comunicação com o consumidor é praticamente inexistente e ineficiente”, disse Eduardo Nilson.
Para o pesquisador, como não existe um nível seguro de consumo de álcool, é “contraditório” divulgar uma mensagem de “beba com moderação” para o consumidor.
Ele argumenta que um meio eficaz de afastar o brasileiro do consumo de bebidas alcoólicas é inserir o segmento na reforma tributária que tramita em etapa de regulamentação. Segundo ele, alimentos ultraprocessados e bebidas açucaradas mostrarão como a tributação altera o nível de consumo e como isso afeta a saúde das pessoas.
No início de novembro, a Comissão do Esporte da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei do deputado Delegado da Cunha (PP-SP) que proíbe a venda, a distribuição e o porte de bebidas alcoólicas nos campeonatos profissionais de futebol, alterando a Lei Geral do Esporte.
OUTROS DESTAQUES
Leia abaixo outros trechos da entrevista:
Poder360: O que te motivou a seguir na área de saúde e nutrição?
Eduardo Nilson: “Trabalhei por muito tempo nessa área. Mais ou menos 20 anos no Ministério da Saúde. Penso que deveria haver evidências para instituir políticas públicas que ajudem a saúde da população. Existem lacunas que eu poderia preencher sendo pesquisador, então toda minha história foi construída naturalmente ao longo do tempo. Fico muito feliz de ter a oportunidade de seguir na Fiocruz indo além nas minhas pesquisas, podendo chegar até em áreas além da nutrição, como no estudo sobre o álcool.”
Como você avalia a atuação do governo atual e governos anteriores na sua área de pesquisa?
“Houve um grande avanço nas últimas décadas. O segmento de elaboração de políticas públicas com base em evidências cresceu bastante, exceto na administração anterior, em que houve desmontes de políticas sociais, afetando o progresso da área. Mas estamos reconstruindo tudo aos poucos.”
Como você avalia o consumo do álcool no Brasil?
“Não existe nível seguro de consumo associado, levando em conta nosso estudo. Foram 24 doenças decorrentes do consumo do álcool que levantamos, como doenças cardiovasculares, acidentes e violências, doenças do aparelho digestivo, câncer. Com base nas literaturas de pesquisa para o estudo, não há consumo seguro do álcool. Quanto maior o consumo, maior o risco de desenvolver tais doenças.”
Como você avalia o crescimento do consumo do álcool entre jovens e mulheres, mesmo que menores do que o aumento entre homens?
“Temos meios de monitorar esse crescimento, como o Vigitel (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico) por exemplo. Vejo os ambientes que esses grupos estão inseridos, como as universidades para os jovens como exemplo, contribuem muito para tal crescimento.”
Como você avalia a relação entre o lazer em eventos e o consumo do álcool?
“Há quase que uma interdependência entre os dois. Para me divertir, eu preciso beber. É isso que as pessoas vêm pensando e isso está presente em muitas culturas, mas principalmente no Brasil, muito por causa da indústria. Infelizmente essa proximidade associa eventos esportivos em estádios a vários tipos de violências.”
Esta reportagem foi produzida pelo estagiário de jornalismo Davi Alencar sob supervisão do editor Victor Schneider.