Gabryele Moreira é física médica pela UFS (Universidade Federal de Sergipe), tem mestrado e é doutoranda no programa de Tecnologia Nuclear da USP (Universidade de São Paulo). Todo esse sucesso de sua trajetória acadêmica começou com a aprovação na graduação por meio das cotas raciais e sociais em 2013.
Ela já trabalhou com pesquisadores renomados, ganhou a bolsa do Programa Marie Curie na Agência Internacional de Energia de Atômica, da ONU (Organização das Nações Unidas), e até foi palestrante TEDx.
Diante de tudo isso, podemos dizer que, no mínimo, Moreira é uma cientista bem-sucedida.
A pesquisadora atribui essas conquistas a seus projetos durante os estudos, que garantiram um currículo rico, e às políticas de permanência na universidade, além das cotas que marcaram o início da sua carreira.
“Consegui participar de editais de bolsas internacionais, como a da ONU, consegui viajar para outros países e ter oportunidades de participar de projetos com pesquisadores renomados da minha área. Essas possibilidades foram acontecendo por meio das cotas”, disse à CNN, em conversa durante a semana da Consciência Negra.
A Lei de Cotas foi aprovada em 2012 no Brasil e garante a reserva de vagas nas universidades e institutos federais para estudantes negros, pardos, indígenas, com deficiência e de baixa renda da escola pública.
Como resultado, entre 2013 e 2019, houve um aumento de 205% no número de ingressantes no ensino superior vindos de escolas públicas, pretos e pardos, por exemplo. Os dados são do estudo “Avaliação das políticas de ação afirmativa no ensino superior no Brasil: resultados e desafios futuros”.
Efeito das cotas
Para Moreira, as cotas servem de reparação histórica para a população negra, efeito que ela percebe em sua própria família. “A minha vó não teve condições de estudar. Ela saiu do quilombo onde morava no Recôncavo Baiano, foi morar em Salvador e precisava trabalhar para criar os filhos”, contou.
A cientista foi a primeira pessoa de sua família a entrar em uma universidade pública. Ela diz que estudou em uma escola próxima à Universidade Federal da Bahia e que, por isso, as professoras incentivavam os alunos a se inscreverem no vestibular. “Elas falavam que a universidade era para nós, pessoas pretas e pobres.”
Depois de Moreira, sua irmã se inspirou e foi a segunda da família a ingressar no ensino superior público.
Entrar na universidade foi um grande passo, mas Moreira ainda enfrentou o desafio de permanecer e concluir a graduação. Tanto que ela considera a conclusão da graduação e do mestrado como duas de suas maiores conquistas profissionais.
“São etapas que para algumas pessoas significam pouco, mas, para quem vem de uma realidade como da minha família, é muito.”
No Brasil, pretos e pardos têm maior dificuldade de concluir os estudos do que brancos. Em 2022, por exemplo, o número de jovens entre 18 a 24 anos que já tinham diploma de graduação era de 6% entre brancos e 2,9% entre pretos e pardos.
Além disso, 70,9% dos pretos e pardos não estudavam nem tinham concluído o nível superior, enquanto entre brancos esse percentual foi de 57,3%, segundo dados da PNAD Contínua: Educação 2022.
Como o direito à educação é muito recente para as pessoas negras, eu coloco que, sem a possibilidade de cotas, a gente não vai ter igualdade racial.
Gabryele Moreira, física médica
Essas e outras conquistas tão grandiosas, como ser a primeira brasileira preta premiada com a bolsa do Programa Marie Curie, mostram que as cotas raciais foram só o pontapé inicial para desenvolver toda a potência de Moreira.
Questionada pela reportagem aonde ela ainda quer chegar na vida profissional, a pesquisadora disse que quer “ser uma cientista renomada, conhecida pelo trabalho” e também “servir de inspiração para outras pessoas, outras meninas negras“.
Certamente, Moreira já inspira muita gente.
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