Vez ou outra, assisto na Netflix ou no Globoplay, os streamings que assino, a documentários esportivos, não só sobre futebol.
“F1: Dirigir Para Viver”, sobre a mais famosa categoria do automobilismo, e “Sprint”, sobre os homens e mulheres mais rápidos do atletismo, trazem ótimas histórias dos bastidores que acompanham as disputas.
Alguns dias atrás, a opção escolhida foi ‘A Final: Caos em Wembley’ (The Final: Attack On Wembley, no título original), lançado neste ano, que reconta a decisão da Eurocopa de 2020, campeonato disputado somente em 2021 devido à pandemia de Covid.
O foco do longa de uma hora e 22 minutos é a partida entre Inglaterra e Itália, em Londres, no icônico palco em que a seleção inglesa masculina ganhou seu único título, 55 anos atrás, a Copa do Mundo de 1966.
Não era o mesmo Wembley, pois o original foi demolido, e o atual, ampliado e modernizado, ocupou seu lugar depois de ter sido erguido em um intervalo de cinco anos, de 2003 a 2007.
Essa final, na arena apelidada de “A Casa do Futebol”, mobilizou de forma jamais vista os torcedores do English Team, que bradavam a plenos pulmões, pelas ruas, o refrão da canção “Three Lions”, de Frank Sinner, lançada em 1996: “O futebol está voltando para casa”.
A Inglaterra é considerada o local de origem da versão moderna do futebol, que surgiu no final do século 19.
A cantoria era intensa no dia da final, 11 de julho de 2021, um domingo de tempo firme na capital da Inglaterra, e não só esse refrão era ouvido. Havia uma frase curiosa, no meio de uma música, na qual era citado o zagueiro Harry Maguire, enaltecido por ter uma “cabeça enorme”.
A narrativa do filme dirigido por Kwabena Oppong e Robert Miller concentra-se nas horas que antecedem o confronto em campo entre ingleses e italianos.
Mostra a ida de milhares de torcedores (majoritariamente homens), desde as primeiras horas da manhã, à Olympic Way, uma larga avenida, de aproximadamente 1 km de extensão, que liga a estação de metrô Wembley Park ao estádio de Wembley.
O jogo começaria às 20 horas locais, e havia tempo de sobra para os ingleses praticarem ali um dos “esportes” de que mais gostam: beber cerveja (vendida sem restrições pelo comércio que ladeava o logradouro).
O longa relata que se verificou também um elevado consumo de cocaína.
Álcool e drogas causam na maior parte das pessoas efeitos psíquicos não saudáveis, como euforia desenfreada, perda de percepção, falta de autocontrole, agressividade.
A imagens vistas na Olympic Way são marcantes, com pessoas fora de seu estado normal penduradas em semáforos, escalando postes de luz e dançando sobre ônibus.
Latas e garrafas de cerveja voavam pelos ares, com evidente risco de lesão a quem estivesse ali, antes de se acumularem, aos montes, em lixo pelo asfalto.
O pior, contudo, estava por vir. Com os portões abertos, cinco horas antes do apito inicial, milhares de torcedores sem ingresso decidiram “ter o direito” a entrar no estádio para ver o possível feito histórico da seleção inglesa. Em uma palavra: invadir.
A partir daí, ocorre o que o título do filme traz: caos. Palavra adequada, mas há outras, e cada um precisa ver para dar a própria definição. A expressão “vale tudo” encaixa bem.
Grades derrubadas, portas forçadas e arrombadas, seguranças desafiados, xingados (com direito a xenofobia explícita no tocante aos que eram de origem árabe) e suplantados por uma horda de fanáticos. Correria desenfreada. Gente (inocente ou não) no chão, pisoteada. Dá medo.
Superlotação não haveria, pois os ingressos vendidos (67 mil) estavam longe da capacidade total (90 mil) –o limite deveu-se justamente por questões de segurança–, mas a organização, enfurnada em uma central com câmeras, vivia o dilema de travar os portões, para bloquear o acesso dos bicões, arriscando a haver esmagamento de pessoas, ou mantê-los liberados e dar sequência à balbúrdia.
Preocupação que, controlado o ímpeto na entrada, permaneceu até o fim do jogo. Milhares de torcedores, os impedidos de entrar, permaneceram diante do estádio. Com a partida sendo decidida nos pênaltis, restou ao diretor de Wembley torcer contra a Inglaterra, pois a vitória certamente provocaria nova tentativa de incursão desenfreada à arena, para ver os campeões.
Para alívio dele, deu Itália.
A euforia deu lugar à tristeza. E à revolta nas redes sociais, em tom racista, contra os jogadores ingleses (Marcus Rashford, Jadon Sancho e Bukayo Saka, negros ou pardos) que desperdiçaram seus pênaltis. Rashford teve um mural em sua homenagem depredado.
Conclui-se, isso tudo visto, pelo despreparo completo dos envolvidos (federação inglesa e polícia, primordialmente) em um evento que se sabia previamente que poderia ser problemático. Foi sorte não ter morrido ninguém –houve feridos, nenhum com gravidade.
Percebe-se também o quanto o povo inglês (ou ao menos parte dele) pode ser, além de irascível, intolerante com os não brancos e os não britânicos.
‘A Final: Caos em Wembley’ é um filme que exemplifica como o futebol pode, em algumas ocasiões, ser extremamente perigoso para seus frequentadores. E que expõe como o ser humano, sob determinadas influências, deixa de ser humano.