Em menos de uma semana, o aparelho de segurança de São Paulo mostrou seu rosto violento e poderoso para baixo, inepto e sonolento para cima.
Aos fatos:
Na terça-feira, o menino Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, foi baleado no Morro São Bento, em Santos. Segundo a Polícia Militar, o tiro “provavelmente” partiu de um PM. Leonel, o pai de Ryan, havia sido um dos 56 mortos deixados pela Operação Verão há alguns meses.
Ryan morreu na quarta-feira. Na quinta, um pelotão de PMs fardados e armados para um combate apareceu no cemitério onde a criança era velada.
Na sexta-feira, Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, um operador da caixa do Primeiro Comando da Capital que vinha colaborando com o Ministério Público, foi fuzilado na área de desembarque do aeroporto de Guarulhos. Uma gravação informa que o PCC havia colocado sua cabeça a prêmio (R$ 3 milhões). Os assassinos dispararam dezenas de tiros de fuzil, ferindo duas pessoas e matando um motorista que trabalhava no aeroporto.
Nas palavras do secretário de Segurança, Guilherme Derrite, Gritzbach era um criminoso. Havia recusado a proteção oferecida pelo Ministério Público, pois contava com sua própria segurança. Ela era formada por quatro PMs. E cadê a escolta (privada) do “criminoso”? Escoltavam um automóvel parado, que, segundo eles, tinha defeito. Derrite revelou que os policiais vinham sendo investigados havia um mês. O tempo poderá esclarecer por que se precisa de mais de 48 horas para concluir que um PM trabalha na escolta de um “criminoso”.
Ao chegar ao aeroporto, Gritzbach caiu numa armadilha montada por outras pessoas. Quem não se lembra da execução de Sonny Corleone? (James Caan no filme da trama emotiva de Mario Puzo) Os assassinos são coadjuvantes. Gritzbach estava denunciando a hierarquia do PCC e suas conexões com policiais corruptos.
O PCC é uma das maiores organizações criminosas em atividade no país. Segundo o Ministério da Justiça, elas são pelo menos 88. É talvez a maior, com âmbito nacional e braços em atividades legítimas. Gritzbach, por exemplo, operava no mercado imobiliário.
Os doutores discutiram se e como a Polícia Federal entraria no caso. Na segunda-feira, triunfante, o capitão Derrite anunciou que foi criada uma força-tarefa. Com a PF, para chegar aos bandidos. Maldita expressão, designa o truque pelo qual se exibe força e não se conclui a tarefa.
Como os mordomos, o PCC é o primeiro suspeito, mas há ainda o segundo e o terceiro, todos parceiros. São os incomodados pelas delações. Gritzbach havia denunciado policiais de dois departamentos e de duas delegacias. Está tudo registrado, em depoimentos e em áudios. Basta puxar os fios.
Pelo espetáculo, ao gosto das quadrilhas, o fuzilamento de Gritzbach demarcou autoridade e sinalizou o poder sobre a vida de quem pensa em falar. Para os cabeças dessas organizações, a ciranda de doutores faz parte de um teatro.
É uma polícia que mata em bairros pobres e, para que ninguém ouse reclamar, constrange velórios. Às vezes, investiga ilustres conexões, mas, quando alguém fala (quase sempre, o que se sabe), elas vão lá, matam a assistem à criação de uma força-tarefa.
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