Lula desconsidera que só a Petrobras recebeu quase R$ 7 bilhões de volta em acordos de leniência, repatriação e colaboração de empreiteiras
A verborragia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que não deixou o chamado modo palanque após a vitória na eleição de outubro passado, tem deixado o campo do folclore político e passado a preocupar aliados e integrantes do governo.
O mais recente episódio ocorreu na terça (21), quando em entrevista ao site esquerdista Brasil 247 o petista disse que Operação Lava Jato foi orquestrada em conjunto com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos para destruir empreiteiras brasileiras.
“Tenho consciência de que a Lava Jato fazia parte de uma mancomunação entre o Ministério Público brasileiro, a Polícia Federal brasileira e a Justiça americana, o Departamento de Justiça”, afirmou, confundindo o Poder Judiciário e o órgão equivalente ao Ministério da Justiça nos EUA.
Ele já havia feito tal ilação sem provas antes, que tentou inclusive levantar na Justiça brasileira, com o mesmo argumento apresentado na terça. “Era para destruir. Porque as empresas da construção civil brasileira estavam ocupando espaço no mundo inteiro”, afirmou.
Lula desconsidera que só a Petrobras recebeu quase R$ 7 bilhões de volta em acordos de leniência, repatriação e colaboração de empreiteiras e outras firmas envolvidas com corrupção apurada pela Lava Jato.
Iniciada em 2014, a ação desmontou a política organizada no Brasil, terraplanando o terreno para a ascensão de Bolsonaro. Ela que caiu em descrédito devido a abusos, como os de seu juiz-símbolo, Sergio Moro, ex-ministro do governo anterior e hoje senador pelo União Brasil do Paraná.
Uma coisa, apontam diplomatas brasileiros e americanos ouvidos, é fazer uma acusação de envolvimento de um governo amigo em tal ação enquanto se está fora do poder. Outra, com consequências, é fazê-lo sentado na cadeira de presidente.
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Para turvar o cenário, há o fato de que Lula irá viajar na sexta (24) para a China, missão que está sendo vista com extrema cautela pelo Departamento de Estado americano. Desde a campanha eleitoral, quando conversavam sobre o cenário brasileiro de forma reservada sobre Lula, diplomatas de Washington focavam suas questões acerca da posição do petista sobre a rival geopolítica dos EUA na Guerra Fria 2.0.
O governo de Joe Biden, hostil a Jair Bolsonaro (PL), fez gestos inéditos de apoio ao sistema eleitoral colocado em dúvida pelo então presidente brasileiro, que ajudaram a esfriar os ânimos de setores com ambições de ruptura institucional, que sonhavam com a repetição do apoio de Washington visto no golpe militar de 1964.
Lula havia começado com uma jogada tática inteligente, indo até Biden de forma algo improvisada para uma conversa antes da visita oficial à China. Ali, focaram no que é agenda comum: ambiente e democracia. O plano de Lula para mediar a paz na Ucrânia, que o líder Xi Jinping irá certamente elogiar em Pequim para se mostrar imparcial apesar da aliança com a Rússia, foi basicamente ignorado.
No Itamaraty, a busca por uma política independente é tradição, mas as posições brasileiras têm sido equilibradas para demonstrar equidistância. O que preocupa diplomatas, contudo, é a animosidade antiamericana transparecida por Lula, que remonta ao discurso tradicional da esquerda brasileira.
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Hoje, já há comentários entre americanos de que Lula está sendo injusto com Biden, que trabalhou em prol de uma transição pacífica de poder no Brasil. Eles lembram que, se a China é o maior parceiro comercial brasileiro, posto que atingiu no governo Lula-2 em 2009, os EUA seguem sendo os segundos, isso para não falar na conexão cultural inerente ao fato de que ambos são países ocidentais.
No campo doméstico, aliados importantes do presidente consideram que ele precisa moderar seu tom. O presidente de um partido vital de seu arco de governo afirma que ele poderia ser menos enfático em sua campanha contra o Banco Central independente, por exemplo, mas compreende que para o Planalto é bom haver um bode expiatório enquanto o governo sofre para fazer deslanchar sua agenda legislativa.
O mesmo é dito, com menos convicção da utilidade, sobre as críticas à privatização da Eletrobras. Esse político afirma que mesmo Lula sabe da inviabilidade política de reverter a venda, até por falta de apoio no Congresso, e que erra ao falar para sua base à esquerda.
Enquanto Bolsonaro fornece a matéria-prima, como no caso dos atos golpistas do 8 de janeiro ou no episódio das joias da Arábia Saudita, diz o aliado, tudo bem. O problema é a insistência nos gestos à ala minoritária de seus apoiadores com itens que desagradam a maioria deles .
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Um petista próximo do presidente avalia que nada disso não vai mudar, dado que Lula está, segundo ele, “com sangue nos olhos como se fosse seu último mandato”. Mas ele aponta gestos conciliatórios também: o petista está levando consigo para a China uma comitiva bastante representativa de setores que eram associados ao bolsonarismo no agronegócio, por exemplo.
O problema maior, diz esse aliado, é o estilo. Na mesma entrevista ao 247, o petista lembrou que, quando estava preso, dizia que “só vai estar tudo bem quando eu foder esse Moro”, em referência ao ex-juiz que o sentenciou à cadeia.
Não foi o primeiro palavrão público usado por Lula em sua carreira política, longe disso, como o episódio em que chamou o então presidente Itamar Franco de “FDP” em 1993 lembra. O emprego do recurso, algo que aconteceu pontualmente em seus primeiros mandatos, tornou-se comum no governo de Bolsonaro.
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IGOR GIELOW
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SÃO PAULO, SP