O candidato Guilherme Boulos (PSOL) recebeu R$ 668 mil em doações de pessoas físicas para bancar parte de sua campanha à Prefeitura de São Paulo, neste ano. Deste montante, R$ 600 mil, isto é, 90% são provenientes de quatro herdeiras de instituições bancárias.
Os repasses estão de acordo com a legislação, no entanto representam um ponto de inflexão em relação à ideologia do seu partido, o PSOL.
Fundado em 2004, o partido veta em seu estatuto receber doações financeiras oriundas, direta ou indiretamente, de bancos ou instituições financeiras.
É o que diz um parágrafo do artigo 71, que versa sobre o financiamento da sigla.
“Não serão aceitas contribuições e doações financeiras provindas, direta ou indiretamente, de empresas multinacionais, de empreiteiras e de bancos ou instituições financeiras nacionais e/ou estrangeiros”, diz trecho do estatuto.
Dados divulgados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até terça-feira (22) mostram que Boulos obteve R$ 550 mil com doações de três irmãs da família Moreau. O valor supera a receita de R$ 376 mil de financiamento coletivo, modalidade mais conhecida como “vaquinha virtual”.
As irmãs são herdeiras do extinto Banco da Bahia, que posteriormente fundiu-se ao Banco da Bahia Investimentos e atualmente é o Bocom BBM. O Banco da Bahia ascendeu nos negócios oferecendo linhas de créditos para agricultores, sobretudo no Nordeste.
Daniela Moreau, formada em história pela USP (Universidade de São Paulo) e mestre em ciência política pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), contribuiu com R$ 300 mil, por meio de uma transferência eletrônica.
Já a artista Mariana Moreau, cujo apelido é Zaba, repassou R$ 200 mil. Ela é autora de livro com o músico Arnaldo Antunes, com quem tem quatro filhos. Formada em artes, Gisela Moreau, por sua vez, doou R$ 50 mil.
A campanha do psolista recebeu também uma doação de R$ 50 mil da escritora Beatriz Bracher. Ela é filha de Fernão Bracher, fundador do banco BBA Creditanstalt e que presidiu o Banco Central durante o governo de José Sarney.
Em 2002, o BBA teve 96% de suas ações vendidas ao Itaú, nascendo, então, o Itaú BBA.
Procuradas pela Folha, Daniela, Mariana, Gisela e Beatriz não quiseram falar sobre o assunto. As quatro têm histórico de doações partidárias, principalmente para políticos da esquerda ou de centro-esquerda.
A campanha de Boulos afirmou, em nota, que “as doações de pessoas físicas são bem-vindas, legítimas e uma iniciativa pessoal de apoiadores que se identificam com o projeto de mudança para a cidade de São Paulo”.
“Como determina a lei, todas as contas da campanha de Guilherme Boulos estão públicas na plataforma do TSE”, diz a campanha.
O PSOL também se manifestou por nota, reforçando que as doações são legais e foram feitas por pessoas físicas e não por empresas.
“Essas pessoas têm identidade política com as propostas da nossa campanha, que tem como objetivo apresentar um projeto para reduzir as desigualdades e fazer de São Paulo uma cidade mais justa, humana e solidária”, diz o partido.
Boulos já fez duras críticas aos bancos em sua carreira de militante e político. Uma delas, na pré-campanha a prefeito, em junho, ao defender os sem-teto. “Tenho orgulho de com 18 anos de idade ter entrado no movimento sem teto. Aliás quem toma casa é banco, o movimento sem-teto dá casa para as pessoas”, afirmou.
Como deputado, o psolista apresentou, no ano passado, projeto de lei para vetar a concessão de empréstimos consignados para aposentados, pensionistas, trabalhadores com carteira assinada e servidores públicos.
Nesta eleição, ele tem a maior arrecadação de campanha até o momento, segundo a prestação parcial de contas entregue pelos candidatos ao TSE atualizada até terça (22). A receita do psolista é de R$ 81,2 milhões, turbinados por aportes de R$ 44,1 milhões do PT e de R$ 36 milhões do PSOL.
Já seu adversário Ricardo Nunes (MDB) dispõe de R$ 48,7 milhões, sendo R$ 47,7 milhões dos sete partidos de sua coligação (PL, MDB, PP, Podemos, PRD, PSD e Solidariedade).
No caso de Nunes, boa parte das doações físicas de sua campanha vem de nomes ligados à construção civil. A maior delas, de R$ 200 mil, foi feita pelo empresário Antonio Setin, fundador da Setin Incorporadora.