O ministro Alexandre de Moraes votou, durante julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), a favor da possibilidade de que, a pedido da polícia ou do Ministério Público, a Justiça mande o Google fornecer dados de pessoas que tenham realizado pesquisas específicas no buscador, em determinado período, que possam servir para identificar autores de algum crime.
Está em análise na Corte um recurso do Google contra uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que permitiu à Polícia Civil obter dados de todas as pessoas que, entre os dias 10 e 14 de março de 2018, que pesquisaram por “Marielle Franco”, “agenda vereadora Marielle”, “Casa das Pretas”, “rua dos inválidos 122”. O objetivo era identificar os mandantes ou executores do assassinato e tentar obter trajetos que teriam realizado após o assassinato.
O Google não forneceu os dados e recorreu ao STF, cuja decisão terá repercussão geral e valerá para todos os casos semelhantes. O julgamento começou em setembro do ano passado, com o voto da relatora, Rosa Weber, contrário à obtenção, pela Justiça, de dados de pessoas a partir de suas buscas na internet, para investigações criminais. Ela argumentou que a medida implicaria em violação à privacidade de pessoas indeterminadas em qualquer relação com o crime, e propôs a seguinte tese:
“À luz dos direitos fundamentais à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao devido processo legal, o art. 22 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) não ampara ordem judicial genérica e não individualizada de fornecimento dos registros de conexão e de acesso dos usuários que, em lapso temporal demarcado, tenham pesquisado vocábulos ou expressões específicas em provedores de aplicação.”
Alexandre de Moraes pediu vista e, nesta quarta-feira (16), apresentou seu voto divergente aos demais ministros. Propôs, então, a seguinte tese:
“É constitucional a requisição judicial de registros de conexão ou de registros de acesso a aplicações de internet para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, desde que observados os requisitos previstos no artigo 22, da Lei 12.965, de 2014, Marco Civil da Internet, quais sejam: fundados indícios de ocorrência do ilícito, justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória, e período para o qual se referem os registros. A ordem judicial poderá atingir pessoas indeterminadas, desde que determináveis a partir de outros elementos de prova obtidos previamente na investigação e que justifiquem a medida.”
Ele afirmou que medidas desse tipo são bastante utilizadas, no Brasil e no mundo, para identificar criminosos envolvidos em pedofilia e pornografia infantil, por exemplo. Sobre as restrições impostas pela proposta de Rosa Weber, ele afirmou que inviabilizariam ou levariam à anulação de inúmeras investigações desse tipo. Moraes ainda disse que os dados serão compartilhados apenas com as autoridades envolvidas na investigação, e não divulgados publicamente. As informações de pessoas inocentes e não envolvidas no crime, acrescentou, serão depois destruídas.
Moraes argumentou que, apesar desse tipo de medida atingir, em princípio, um conjunto indeterminado de pessoas, parte de indícios concretos para chegar a um grupo determinável e restrito. Isso também ocorre, segundo ele, nas investigações sobre terrorismo. “A polícia investiga antes quem procurou por armas, bombas que foram utilizadas depois. Você não sabe ainda quem utilizou, mas é um grupo determinável a partir de certos indícios”, disse.
No caso de Marielle Franco, Moraes disse que a polícia justificou de forma adequada a necessidade da medida, porque a própria vereadora havia divulgado nas redes sociais, uma semana antes do assassinato, local, dia e hora em que participaria de um evento no centro do Rio de Janeiro. Ela e o motorista foram executados após deixarem o evento, dentro do carro.
A polícia queria saber quem pesquisou seu nome e o local do evento para saber se alguns deles também haviam traçado o trajeto por onde poderiam fugir após o crime. Além disso, a polícia buscou imagens de câmeras na rua que gravaram o carro onde estavam os assassinos.
“Isso tem total relação com a investigação. Não são dados genéricos, não são dados arbitrários, não é a polícia querendo saber fofoca de rede social, é a polícia querendo fazer seu trabalho. A pertinência investigativa é total, a razoabilidade é total. Não houve nenhum abuso da autoridade policial ao pedir isso”, afirmou o ministro, que, no ano passado, se tornou relator, no STF, de uma investigação realizada pela Polícia Federal sobre o caso.
Dino concorda com Moraes e Fachin faz ressalva sobre dados de inocentes
A decisão final ainda dependerá dos votos dos outros 9 ministros do STF. O próximo a votar, ainda na sessão desta quarta, é Cristiano Zanin. Durante o voto de Moraes, Flávio Dino, que já foi juiz federal e ministro da Justiça, indicou concordância com o voto de Moraes – ele não votará porque sucedeu a Rosa Weber. Argumentou que, em outras diligências investigativas, também não há prévia determinação de pessoas que podem ser alcançadas pela polícia.
“Quando o juiz decreta uma interceptação telefônica, aprioristicamente as pessoas que serão alcançadas são indeterminadas, porque ninguém consegue antever quem ligará para quem durante uma semana. Do mesmo modo uma busca e apreensão, a indeterminação existe porque ninguém sabe quem está no imóvel, pode haver 5, 10 ou 20 pessoas”, afirmou.
Destacou, depois, que a Polícia Federal usou esse método de investigação para investigar ataques a escolas infantis no ano passado. “No caso do ataque das crianças em Blumenau – bárbaro, terrível, hediondo – esse método foi utilizado pela Polícia Federal, evitando dezenas de ataques a escolas no Brasil. É algo largamente utilizado.”
Ainda durante o voto de Moraes, Edson Fachin chamou a atenção para a necessidade e o cuidado na destruição de dados coletados de pessoas que não têm relação com o crime. “O que se busca aí é um equilíbrio entre a persecução e a investigação e o limite de disposição da privacidade das pessoas, especialmente quando essas têm verificados seus dados e não dizem respeito àquela investigação. Isso dialoga com as preocupações que temos com a destruição das informações não pertinentes”, afirmou o ministro.
Moraes concordou que os dados de pessoas não relacionadas ao crime devem ser descartados, inclusive após consulta aos seus advogados de defesa e ao Ministério Público, para que não haja qualquer comprometimento de sua privacidade nem má utilização dos dados.
Moraes diz que big techs têm dever de colaborar com investigações criminais
Em seu voto, Alexandre de Moraes disse que o Google e outras grandes big techs já utilizam dados de navegação de seus usuários para direcionar propagandas. Por isso, não faria sentido que não colaborassem com investigações criminais por decisão judicial.
“As big techs, elas sim têm todas as nossas informações. Não existe um banco de dados maior que o Google tem, não regulamentado e utilizado para proveitos econômicos. A partir de inteligência artificial e algoritmos, sabe o que nós gostamos de assistir, de ler, o que comemos, o que ouvimos de música. Muito me impressiona que o Google entre com mandado de segurança para impedir investigação importantíssima, de assassinato de uma vereadora, porque fere a intimidade, quando o próprio Google usa dados de todos nós sem autorização, para mandar para nós mesmos propaganda”, afirmou.
Nos últimos anos, Moraes tem protagonizado, dentro do STF, uma pressão sobre o Legislativo e o Executivo para regulamentar de forma mais rigorosa as redes sociais e empresas de tecnologia. Diz que elas passaram a ser “instrumentalizadas” por grupos extremistas para propagar conteúdo antidemocrático e atentatório contra as instituições, especialmente o STF.
Como o Congresso se recusa a aprovar uma nova lei, o próprio Moraes tem usado seu poder como relator de investigações para forçar a colaboração das empresas, bloqueando e obtendo dados de perfis que, segundo ele, divulgam discurso de ódio e que incitam violência contra os ministros e outras autoridades públicas.