viagem à China é oportunidade para fomentar investimentos no Brasil, dizem especialistas


A comitiva brasileira viaja neste domingo (26) à China para a maior visita de Estado do novo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A viagem, que conta com a presença de empresários, pode ser uma oportunidade para expandir parceria no agronegócio e fomentar investimentos em infraestrutura no Brasil, segundo especialistas consultados pela CNN.

“Temos a oportunidade de trazer a China para um status de parceiro, onde podemos ter mais do que apenas a venda de soja e carne. Mas também pensar em outros produtos agrícolas, como cortes mais sofisticados de carne, um mercado que temos mais entrada na Europa. E oportunidade para diversificar a pauta de importações da China, pois temos uma relação de certa forma neocolonial. Exportamos matéria-prima e importamos bens industrializados”, diz Vinícius Vieira, professor de relações internacionais da Faap.

O país é o principal parceiro comercial do país desde 2009. Em 2022, a China importou mais de US$ 89,7 bilhões em produtos brasileiros, especialmente soja e minérios, e exportou quase US$ 60,7 bilhões para o mercado nacional.

Infraestrutura

A China é, também, um dos principais investidores no Brasil. De acordo com o Itamaraty, entre 2007 e 2021, o Brasil foi o quarto principal destino internacional de investimentos chineses (4,8% do total) e o principal na América do Sul (48%).

Estima-se que, nesse mesmo período, o estoque de investimentos chineses no Brasil tenha alcançado US$ 70,3 bilhões. O volume dos investimentos brasileiros na China passa dos US$ 247 milhões.

Devido ao histórico de investimentos de alto volume, especialistas entendem que a viagem pode ser usada para fomentar ainda mais esse tipo de relação entre os países, sendo importante para o Brasil, que pode utilizar a parceria para suprir carências no setor de infraestrutura.

“O Brasil há décadas tem sofrido um problema de infraestrutura. No caso da produção agrícola, principalmente, de soja, os corredores de exportação desses produtos são muito ruins. O Brasil tem uma super safra para exportar e fica tudo parado, pois as rodovias estão intransitáveis. Você consegue tirar a produção, mas com um custo alto”, avalia Alexandre Uehara, professor de relações internacionais da ESPM e especialista em China e Japão.

O professor diz ainda que o custo elevado que o sistema rodoviário possui tira a competitividade do Brasil frente a outros países.

“O Brasil demanda investimentos em infraestrutura e a China é um parceiro que pode, eventualmente, ajudar a ampliar e modernizar os corredores de exportação, os portos e até mesmo abrir novos portos”, conclui Uehara.

Os principais setores com aportes chineses, entre 2007 e 2021, foram: eletricidade (45,5%), extração de petróleo e gás (30,9%), indústria manufatureira (5,5%), obras de infraestrutura (4,5%), agricultura, pecuária e serviços relacionados (3,3%), e serviços financeiros (2%).

Segundo informações do analista de Internacional da CNN Lourival Sant’Anna, deve ser anunciado, ainda durante a viagem, a ativação de um fundo de investimentos de R$ 20 bilhões para o setor de infraestrutura e indústria, visando a conversão para formas mais sustentáveis de produção no Brasil.

O fundo estaria no âmbito da Belt and Road Initiative (A Nova Rota da Seda), um projeto de financiamento global adotado pelo governo chinês envolvendo desenvolvimento de infraestrutura e investimentos em países da Europa, Ásia e África.

Ainda que o Brasil não faça parte dos países que possuem acordo com a China para receber esse tipo de recursos de infraestrutura, o projeto possui ramificações que permitem a realização de acordos bilaterais.

Em 2015 uma iniciativa semelhante ocorreu. Na ocasião, entre o Banco de Desenvolvimento da China (CDB, na sigla em inglês) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Contudo, o acordo acabou não prosperando na prática e foi esquecido.

Tecnologia

Considerado estratégico e envolvido cada vez mais em disputas geopolíticas, o setor de tecnologia também deve permear a visita brasileira à China.

A agenda de Lula deve incluir uma visita a um centro de pesquisa da Huawei e uma parceria no desenvolvimento de tecnologia de monitoramento.

Segundo relatos feitos à CNN, a possibilidade da visita tem gerado incômodo junto a diplomatas americanos, uma vez que os Estados Unidos e a China têm protagonizado troca de acusações sobre espionagem.

Para Alberto Pfeifer, coordenador-geral do DSI, grupo de análise de Estratégia Internacional da USP, é importante que o Brasil tenha uma postura “bastante serena” dentro do atual contexto de disputa entre as duas potências globais, ambas importante para o país. Pfeifer reitera a prudência e lembra que todo acordo tecnológico gera algum tipo de vulnerabilidade.

“É também uma vulnerabilidade tácita. Quando você adere a um determinado padrão de tecnologia ou utiliza equipamentos de um parceiro, você fica vulnerável ao controle tecnológico que esse parceiro, detentor das partes sensíveis da tecnologia, possui. E também pode, de alguma maneira,  proceder à invasão dos sistemas de segurança por ser o detentor”, diz.

No ano passado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, proibiu as aprovações de novos equipamentos de telecomunicações das Huawei Technologies por representarem “um risco inaceitável” à segurança nacional dos Estados Unidos.

No Brasil, a gestão de Jair Bolsonaro liberou a utilização da tecnologia chinesa para o 5G, mas não na rede do governo federal.

“O Brasil tem esse dilema de adotar um padrão americano ou chinês, mas é importante manter as possibilidades de cooperação com os dois parceiros” conclui Pfeifer.

Lula deve ser acompanhado à China pelos ministros Mauro Vieira (Relações Exteriores), Fernando Haddad (Fazenda), Carlos Fávaro (Agricultura), Nísia Trindade (Saúde) e Luciana Santos (Ciência e Tecnologia).

Além de membros do primeiro escalão do governo, foram convidados congressistas de partidos como PP, Cidadania, PSDB e Podemos, bem como empresários de diferentes segmentos, de frigoríficos a bancos, como Suzano, Vale, Marfrig, Bradesco, Odebrecht e Friboi.

Agronegócio

Marcos Jank, comentarista de agronegócio da CNN, destaca o cenário favorável e necessário para a visita brasileira ao parceiro asiático com foco na expansão do agronegócio.

“Temos uma super safra em andamento. Estamos produzindo mais de 300 milhões de toneladas de grãos. Temos também a produção de açúcar, produção de várias carnes, algodão e outros produtos. A China é nosso maior cliente”, diz.

O ressalta a oportunidade de expandir a exportação de carnes para o gigante asiático, com a autorização e abertura de novas plantas de produção que tenham permissão para que seu produto seja enviado e consumido pelos chineses.

“Precisamos abrir mais plantas de carnes suínas, de carnes de aves e de carne bovina para exportar para a China. É conseguir habilitar novas plantas e abrir mais mercados na área de frutas, laticínios, de vários outros produtos que ainda podemos vender e que fazem parte de nossa pauta. Tudo isso tem de fazer parte da nossa missão”, complementa Jank.

Segundo dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), desde 2013, a China é o primeiro, dos três principais destinos dos produtos do agronegócio brasileiro. Ano passado, 31,9% da exportação nacional de produtos do setor teve Pequim como destino.

De acordo com informações do Itamaraty, mais de 100 empresários do setor agropecuário fazem parte da comitiva.

Outro ponto destacado por especialistas que pode ser tratado pelo governo brasileiro é uma maior “pacificação” com relação aos protocolos de suspensão imediata das exportações brasileiras de carne para a China quando existe a ocorrência de casos atípicos de doenças.

Uma vez que o Brasil tem a China como o principal destino para exportações, a quebra total e abrupta desse fluxo pode prejudicar a economia nacional.

“Essa ida reitera a parceria [entre os países] e reforça a possibilidade de que qualquer discordância seja resolvida de maneira harmoniosa. Por exemplo, quando ocorrer um problema da sanidade vegetal ou animal, isso poderá ser resolvido de maneira mais rápida, impedindo a cessação do fluxo de mercadorias para a China”, diz Alberto Pfeifer.

Na quinta-feira (23), a China anunciou que concordou em retomar imediatamente as importações de carne bovina brasileira. As vendas de carne bovina do Brasil tinham sido suspensas em 23 de fevereiro, após a descoberta de um caso atípico da doença da vaca louca.

Agenda

De acordo com a agenda divulgada pelo governo, o presidente Lula terá reuniões na terça-feira (28), com o presidente da China, Xi Jinping, com o Primeiro-Ministro da China, Li Qiang, e com o Presidente da Assembleia Popular Nacional, Zhao Leji.

Conforme o comunicado oficial, a pauta bilateral irá envolver comércio, investimentos, reindustrialização, transição energética, mudanças climáticas, acordos de cooperação e paz.

Na quarta-feira (29) deve ocorrer um evento empresarial promovido pela Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível e pelo Ministério de Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, com a participação de mais de 240 empresários brasileiros.

Também haverá um evento na segunda-feira (27), promovido pelo Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), com cerca de 100 empresários.

Já na quinta-feira (30), Lula deve ir a Xangai, onde visitará a sede do Novo Banco de Desenvolvimento, entidade criada pelos BRICS (grupo formado por Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul) para fomentar projetos em países em desenvolvimento.

O ano de 2023 é o cinquentenário do início das relações comerciais entre Brasil e China. A primeira venda entre os dois países aconteceu em 1973. No ano seguinte, foram formalizadas as relações diplomáticas sino-brasileiras.

*Com informações de Gustavo Uribe e Pedro Nogueira, da CNN.



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