Com o voto de Nunes Marques, maioria da Corte entende que testemunhas de Jeová podem recusar tratamento e pedir custeio do Estado
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta 4ª feira (25.set.2024) que a convicção religiosa pode permitir ao paciente recusar tratamentos e requerer procedimentos que atendam à sua fé com o custeio do Estado.
No caso concreto, a Corte analisa 2 recursos que tratam de casos de testemunhas de Jeová que pediram a realização de cirurgia sem transfusão de sangue. Na religião, a prática é proibida.
Todos os ministros presentes no plenário seguiram os relatores, Roberto Barroso e Gilmar Mendes. O placar ficou 10×0. Só o ministro Dias Toffoli não votou, porque está de licença médica.
A maioria foi formada com o voto de Nunes Marques, seguido pelos votos de Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Edson Fachin, nesta 4ª feira (25.set).
Na sessão de 5ª feira (19.set), Flávio Dino, Cristiano Zanin e André Mendonça seguiram os relatores para negar o recurso da União contra o custeio de tratamento alternativo pelo Estado e julgar prejudicado o da paciente testemunha de Jeová, por já ter conseguido fazer a cirurgia requerida.
Os ministros definiram ainda duas teses, relacionadas aos temas 952 e 1069 de repercussão geral, que servirão de jurisprudência para casos semelhantes na Justiça.
Eis a tese do caso sob relatoria de Barroso:
- “Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar o procedimento médico que envolve transfusão de sangue com base na autonomia individual e na liberdade religiosa;
- “Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no sistema único de saúde, podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.”
Eis a tese do caso sob relatoria de Gilmar Mendes:
- “É permitido ao paciente no gozo pleno da sua capacidade civil recusar a se submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamentos de saúde por razões religiosas é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente inclusive quanto veiculada por meio da diretiva antecipada de vontade.
- “É possível a realização de procedimento médico disponibilizado a todos pelo SUS com interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional caso haja viabilidade técnico científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização, e decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida do paciente.”
Os ministros fixaram ainda, na ementa do julgamento, um entendimento que não é tratado nos temas de repercussão geral, mas foi objeto de preocupação dos magistrados: a concepção de tratamento diferenciado para o menor de idade.
Foi fixado que: “A recusa de transfusão de sangue só pode ser manifestada em relação ao próprio interessado, sem estender-se a terceiros, inclusive e notadamente filhos menores. Porém, havendo tratamento alternativo eficaz, conforme avaliação médica, os pais poderão optar por ele.”
VOTO DO RELATOR
Os votos que prevaleceram no julgamento foram os de Barroso e de Gilmar (relatores), que concordaram em uma mesma vertente favorável ao direito de recusar tratamento por causa da religião e a pedir procedimento alternativo no SUS.
Barroso defendeu que o paciente deve ter direito a essa liberdade, mesmo em casos em que há risco de vida, se a manifestação de pacientes maiores de idade, capazes e em condições de discernimento tiver sido livre, prévia ao ato médico, e esclarecida. É a favor que seja inválido o pedido para terceiros.
Sobre o dever do Estado em arcar com os custos, Barroso argumentou que “existindo tratamento alternativo dentro do próprio SUS, parece fora de dúvida que ele seja oferecido ao paciente”, desde que não representem custos “desproporcionais”.
Ele citou que a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda a adoção de procedimentos alternativos à transfusão e que outros recursos terapêuticos já são disponíveis pelo SUS.
Segundo o ministro, o Poder Público deve tomar medidas para, progressivamente, tornar esses procedimentos disponíveis.
OS CASOS
No recurso extraordinário 979742, de relatoria do ministro Roberto Barroso, a União recorre contra um acórdão da Turma Recursal do Juizado Especial Federal do Amazonas e Roraima que determinou o pagamento do procedimento cirúrgico, indisponível na rede pública, junto ao Estado do Amazonas e ao município de Manaus.
A defesa alega, contudo, que o tratamento não é diferenciado e é realizado no Hospital do Pari, em São Paulo. Requereu auxílio para custear suas passagens e as do acompanhante, de Manaus para São Paulo, além de hospedagem e ajuda de custo.
Já o recurso extraordinário 1212272, de relatoria de Gilmar Mendes, é da própria paciente testemunha de Jeová contra um acórdão da Turma Recursal da Seção Judiciária de Alagoas que manteve decisão que a impediu de realizar procedimento cirúrgico sem transfusão de sangue. A paciente se recusou a assinar termo de compromisso para permitir a transfusão e, por isso, teve a cirurgia negada pelo hospital.
Esta reportagem foi escrita pela estagiária de jornalismo Bruna Aragão sob a supervisão do editor Victor Schneider.