No meio da corrida, sem aviso prévio, você começa a sentir os primeiros sinais de cólica. Como sentir dor durante uma prova é normal, você minimiza os sintomas. Aos poucos, o incômodo aumenta, e seu foco deixa de estar no ritmo de prova e se volta para o desconforto intestinal. O suor torna-se frio. Você olha ao redor em busca de banheiros químicos, caso o quadro se agrave. A dor aumenta e torna-se insuportável. No melhor dos cenários, você acha uma cabine, alivia o intestino e tenta dar continuidade à prova. O pior cenário fica por conta da sua imaginação.
Sim, este texto é sobre o “número 2”.
O leitor pouco familiarizado com a rotina das corridas pode questionar a escolha do tema. Escatológico demais, dirá. Mas, entre os atletas, esse assunto ocupa espaço nobre na lista das preocupações. Existe até uma expressão em inglês para designar esse desarranjo intestinal entre corredores: runners trots – algo como “trote de corredor”. E, infelizmente, ele é mais comum do que parece.
Segundo artigo publicado na Western Journal of Medicine, dos 707 maratonistas ouvidos pelos pesquisadores no Oregon (EUA), mais de um terço relatou já ter experimentado o runners trots. Os professores Erick Prado de Oliveira (UFU) e Roberto Carlos Burini (Unesp), em texto para a revista científica “Sports Medicine”, citam que, dependendo da metodologia do levantamento, a incidência de desconfortos intestinais varia de 30% a até 90% entre corredores de longas distâncias.
Atribui-se ao maratonista Bill Rodgers, célebre vencedor das provas de Boston e Nova York, a seguinte frase: “Mais maratonas são ganhas ou perdidas nos banheiros do que na mesa de jantar”.
Por que corredores têm diarréia?
O primeiro recado é que o runners trots se trata de um episódio, e não de uma doença. Tirando a vergonha, não há nada com que se preocupar.
Não há uma explicação única para esse desconforto gastrointestinal induzido pelo exercício. As causas são variadas e, muitas vezes, combinadas entre si.
A causa mecânica é a mais simples. Durante a corrida, há um deslocamento dos órgãos dentro do abdômen. Esses movimentos podem influenciar o processo digestivo e aumentar a pressão no cólon.
Outra causa é vascular. A corrida aumenta a circulação de sangue, dada a necessidade de transportar oxigênio pelo corpo a fim de suportar a atividade física intensa. Essa mudança pode alterar o funcionamento do sistema digestivo, induzindo contrações intestinais.
Há ainda o fator químico. Ansiedade, nervosismo e empolgação são sentimentos que podem estimular a liberação de hormônios como a adrenalina, por exemplo. Essas substâncias, quando em maior quantidade no sangue, podem afetar o aparelho digestivo. Em resumo: o frio da barriga na largada pode virar dor de barriga alguns quilômetros à frente.
Por fim, há o fator nutricional. A mudança da rotina alimentar pode desencadear reações desconhecidas – e desagradáveis. Os exemplos mais comuns são o consumo de gel ou alimentos que não são habituais, a ingestão de água em excesso (ou a desidratação), ou ainda uma refeição reforçada demais antes das corridas.
O que fazer para evitar a diarréia na corrida?
Abaixo, compilei algumas dicas descritas pelos professores Oliveira e Burini para evitar o desconforto intestinal.
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Evitar excesso de alimentos ricos em fibra no dia e na véspera da corrida.
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Cuidado com aspirinas e analgésicos com ibuprofeno antes da prova. Eles aumentam a permeabilidade intestinal e podem levar a desconforto no aparelho digestivo.
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Evite alimentos ricos em frutose, como sucos ou frutas muito doces.
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Quando for tomar gel de carboidrato, consuma bastante água para diluir a substância.
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Beba água durante a prova. Desidratação é uma causa comum de diarréia.
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Saiba como seu corpo reage a cada alimento. Teste a sua nutrição pré-corrida nos dias que antecedem a prova.
E você? Já sofreu com o runners trots? Conte sua experiência nos comentários abaixo ou converse comigo no Instagram (@rodrigofloresnacorrida) ou por e-mail (blognacorrida@gmail.com)
PS: O título deste post é ótimo, mas não é meu. Eu deliberadamente roubei de um texto do New York Times sobre o assunto.
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