Uma eventual indicação do advogado Cristiano Zanin pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao STF (Supremo Tribunal Federal) ilustraria a busca por um alinhamento nas decisões na corte que nem sempre ocorre, mesmo entre aqueles que tiveram vínculos formais com o Executivo.
Zanin defendeu Lula nos processos da Operação Lava Jato, inclusive no que resultou na prisão do petista por 580 dias em Curitiba. As ações foram posteriormente anuladas pelo STF.
No início deste mês, ao ser questionado sobre a possibilidade de indicar o advogado ao Supremo, Lula disse que “todo mundo compreenderia” se ele fizesse isso e chamou Zanin de amigo e companheiro.
A escolha de nomes próximos ao do presidente é comum, mas por vinculações ligadas ao governo, e não diretamente ao presidente, caso de Zanin.
Levantamento feito pela Folha com base nos currículos dos ministros indicados desde 1985 mostra que, dos 28 escolhidos no período, 9 exerciam alguma função no Executivo federal quando foram escolhidos, o que representa 1 em cada 3 indicados.
André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro, Alexandre de Moraes, por Michel Temer, e Dias Toffoli, por Lula, são os exemplos mais recentes de ministros que integraram os governos dos presidentes que os indicaram.
Toffoli foi da AGU (Advocacia-Geral da União), Moraes, ministro da Justiça, e Mendonça exerceu esses dois cargos no governo Bolsonaro.
Bolsonaro afirmava buscar um ministro que “toma cerveja comigo no fim de semana” e alguém “terrivelmente evangélico”, o que afirmou ter concretizado com Mendonça, então pastor presbiteriano.
No caso de Toffoli, auxiliares diretos de Lula à época da indicação —a oitava feita pelo petista— disseram à Folha que a escolha foi a primeira feita por decisão pessoal do presidente. O advogado havia trabalhado como assessor jurídico do PT e defendido o partido em campanhas eleitorais.
A proximidade também marcou 2 das 3 indicações feitas por Fernando Henrique Cardoso (PSDB): Nelson Jobim foi ministro da Justiça, e Gilmar Mendes, da AGU.
O hoje decano no STF enfrentou resistência no meio jurídico ao ser escolhido. Em 2002, quando a indicação foi feita, o então presidente da corte, Marco Aurélio Mello, chamou-o de “técnico de cabedal inexcedível”.
Marco Aurélio, por sua vez, é primo de Fernando Collor de Mello, que o escolheu para o cargo em 1990, quando o magistrado era ministro do TST (Tribunal Superior do Trabalho).
Há ainda vários casos de vínculos não formais no momento da indicação.
O ministro Edson Fachin era professor e ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores). O ex-ministro Eros Grau era professor da USP e integrava um grupo de advogados que atuou em parceria com o PT contra privatizações no governo FHC.
Especialistas afirmam que a pressão de diferentes grupos e o elemento regional são outros fatores que influenciam a escolha de um nome, mas que o principal é a busca por alguém alinhado ao pensamento do presidente.
“Metade da justificativa do PT ter comprado a pauta do sistema de Justiça foi a crença no seu potencial político. Houve uma tentativa de fazer do Judiciário um parceiro de várias políticas públicas”, afirma Fernando Fontainha, um dos organizadores do livro “Os Donos do Direito: a Biografia Coletiva dos Ministros do STF (1983-2013)” (Eduerj).
Professor do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj, onde coordena o Deciso (Núcleo de Pesquisas em Direito e Ciências Sociais), Fontainha diz que há uma tendência de profissionalização nas indicações ao Supremo em comparação ao período da ditadura, em que os vínculos pessoais tinham mais relevância na disputa.
“O Supremo se tornou uma grande pauta e, hoje, você tem verdadeiras campanhas organizadas para ministro do STF. O que não temos são normas que organizem essa competição”, diz.
Pesquisadora da corte e coordenadora do Núcleo de Estudos em Direito, Justiça e Sociedade (Nedjus) da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a professora Fabiana Luci de Oliveira afirma que, mesmo nos casos de indicados próximos, nem sempre a forma de votar reflete o alinhamento esperado.
“Ao longo do tempo, quando olhamos para presidentes que conseguiram fazer mais do que duas nomeações para o STF, vemos que os ministros indicados por eles tendem a votar em um mesmo sentido e formar blocos, mas isso não implica que estejam votando no sentido esperado pelo presidente que os nomeou”, diz.
Oliveira afirma que há teorias tanto no Brasil quanto no exterior sobre a influência da convivência entre os ministros no voto.
“É possível ver o efeito do tempo de corte. No início, os ministros tendem a votar como esperado, mas, ao longo do tempo, o efeito da instituição no posicionamento do ministro é observado e eles tendem a se aproximar mais do comportamento majoritário.”
Exemplo disso foi o julgamento do mensalão, que condenou 25 dos 37 réus, entre eles figuras históricas do PT, como o ex-ministro José Dirceu e o ex-presidente do partido José Genoino. Dos 11 ministros que integravam a corte, 8 eram indicados de Lula e Dilma Rousseff.
“Parte do critério para saber se o Supremo está funcionando bem é os presidentes que indicaram os ministros não ficarem 100% satisfeitos com os votos”, afirma Diego Werneck, professor de direito constitucional do Insper.
“Por outro lado, por ser um tribunal que decide questões abertas, os presidentes tendem a indicar pessoas que pensem como eles, então também seria estranho se não houvesse algum tipo de alinhamento”, acrescenta.
Werneck diz ainda que, entre os indicados mais experientes, o voto pode refletir a reputação construída na carreira anterior ao Supremo, o que também pode gerar decisões contrárias às expectativas do presidente.
Outro aspecto a ser considerado, segundo Eloísa Machado Almeida, professora da FGV Direito SP e coordenadora do grupo de estudos Supremo em Pauta, é que nada impede ex-integrantes de governos de julgar ações contestando medidas adotadas por eles no Executivo.
“O Supremo tem decidido que os ministros não estão impedidos e podem julgar ações, o que coloca em xeque a imparcialidade da prestação jurisdicional”, diz.
Independentemente da proximidade ou não com o presidente, Eloísa afirma que é papel do Senado verificar se o nome indicado cumpre as exigências para o cargo.
“Se for alguém de interesse pessoal do presidente, pode ser vetado pela oposição no Senado. Se for um bom nome, o Senado será constrangido a aprová-lo. Porém, isso demanda que as autoridades ajam minimamente orientadas pelo interesse público”, diz a professora.