O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), enviou nesta sexta-feira (24) ofício ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pedindo que seja convocada uma sessão do Congresso Nacional para decidir sobre o impasse das MPs (medidas provisórias).
No ofício, ao qual a Folha teve acesso, Lira afirmou que houve falta de coerência por parte de Pacheco ao definir que as MPs editadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sejam analisadas diretamente pelo plenário da Câmara, enquanto as publicadas por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) serão submetidas a votação em comissões mistas —como ocorria antes da pandemia da Covid-19.
“Com efeito, se o fundamento do Ato de Vossa Excelência é [o] encerramento da ESPIN [Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional] e da calamidade pública, não se mostra coerente aplicar a medidas provisórias posteriores a 22 de maio regimes diversos. É dizer: a transição de governos não é um marco temporal coerente com os fundamentos da decisão”, escreveu Lira.
Senadores argumentam que as comissões mistas estão previstas na Constituição e apontam arbitrariedade de Lira na resistência à reinstalação dos colegiados.
O presidente da Câmara disse que causou “espécie” a decisão de Pacheco de retomar as comissões mistas em ato assinado somente pelo presidente do Senado, sem anuência dos deputados.
“Do ponto de vista constitucional, esse procedimento tolheu o direito regimental de deputados e deputadas federais de contraditar a questão de ordem e recorrer da decisão de Vossa Excelência”, afirmou.
O argumento de Lira é que o ato que determinou que as comissões mistas não seriam instaladas durante a pandemia foi assinado conjuntamente pelas Mesas Diretoras de Câmara e Senado.
O documento também estabelecia que a tramitação diferente das MPs se daria enquanto estivesse em vigor a portaria do Ministério da Saúde que reconhecia a emergência em saúde decorrente da Covid.
Para o presidente da Câmara, não faz sentido definir que as medidas provisórias de Lula e Bolsonaro tenham tramitação diferente, uma vez que o Ministério da Saúde revogou a emergência sanitária em maio de 2022.
“Não parece justificável, um ano depois [do fim da emergência em saúde], que se altere unilateralmente e monocraticamente o regime de tramitação de medidas provisórias em vigor com base em tais argumentos.”
Para solucionar o impasse, Lira propôs a Pacheco que seja convocada uma sessão do Congresso para que “a matéria seja formal e devidamente suscitada e decidida”.
Aliados de Lira ouvidos pela Folha afirmam que, na sessão do Congresso, há uma variedade de alternativas que podem ser discutidas. A principal delas —dizem— é a composição das comissões mistas.
Atualmente elas são formadas por 12 deputados e 12 senadores definidos pelos próprios líderes. Lira já afirmou considerar que esse mecanismo é antidemocrático porque a Câmara ficaria subrepresentada. A solução proposta por Lira, no entanto, já foi descartada por lideranças do Senado.
Interlocutores do presidente da Câmara se fiam no argumento de que, apesar de as comissões mistas estarem previstas na Constituição, o texto constitucional não especifica a sua composição —definição que foi dada em resolução do Congresso em 2002.
Caso Pacheco não convoque a sessão, interlocutores de Lira dizem que o presidente da Câmara poderá pedir o envio diretamente para o plenário da Câmara das demais medidas provisórias apresentadas (não somente as do governo Bolsonaro). Diante de uma segunda negativa, Lira também avalia devolver as MPs dos tempos de Bolsonaro.
A crise entre os dois presidentes causada por esse impasse das MPs atingiu seu ápice na quinta-feira (23), quando Pacheco determinou o retorno das comissões mistas.
Pacheco acatou questão de ordem proposta pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL), desafeto de Lira, que cobrava uma posição definitiva do presidente do Senado diante de semanas sem definições.
Em resposta, Lira ameaçou boicotar a decisão, que classificou como “draconiana”, afirmando que essa questão não andará “um milímetro” na Câmara. Além disso, ele também colocou em dúvida a liderança de Pacheco à frente do Senado.
Numa tentativa de amenizar as declarações de Lira dadas mais cedo, a presidência da Câmara divulgou nota sinalizando uma tentativa de diálogo com o Senado. Segundo relatos, teria partido do próprio Lira a iniciativa de elaborar o texto.
As medidas provisórias são editadas pelo presidente da República e entram em vigor imediatamente, mas dependem do aval do Congresso para não perder validade. Assim, Câmara e Senado têm até 120 dias para aprovar ou reverter a iniciativa do governo.
A Constituição prevê que a tramitação das MPs se inicie em uma comissão mista, formada por deputados e senadores. Durante a pandemia, no entanto, um ato conjunto do Congresso decidiu que os colegiados não seriam formados, para dar celeridade às votações e evitar aglomerações.
Após dois anos com a tramitação diferenciada, Lira e lideranças da Câmara dizem que a ausência das comissões mistas facilitou o trabalho de análise de medidas provisórias.
Lideranças do Senado, no entanto, criticam que a Casa tem sido prejudicada com o formato e que, com a demora para a Câmara aprovar as MPs, os senadores têm pouco tempo para analisar os textos e promover alterações.