O promotor de Justiça Lincoln Gakiya acompanha os passos do Primeiro Comando da Capital (PCC) desde o início dos anos 2000. Em virtude do risco que assumiu ao enfrentar a maior facção criminosa das Américas, Gakiya tem de andar permanentemente com escolta de agentes armados. Ele conta com a proteção da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) e do 8º Batalhão de Operações Especiais de Presidente Prudente (BAEP).
“Costumo dizer que não recebi nenhuma ameaça de morte nos 18 anos em que trabalho contra o PCC”, disse Gakiya, em entrevista ao programa Oeste Sem Filtro. “No entanto, há vários planos para me matar. Ando escoltado desde 2006, mas não com o número de policiais que me acompanham agora.”
O promotor de Justiça ainda revelou os planos do PCC para assassinar o senador Sergio Moro (União-PR), comentou as disputas internas da facção criminosa e criticou a falta de políticas de segurança pública no Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O senhor foi responsável pelo pedido de transferência de Marcola para uma penitenciária federal. Como isso impactou o PCC?
A gente tentava a remoção do Marcola havia dez anos. Mas tinha uma resistência do governo estadual paulista. Ao fim de 2018, depois de mais uma recusa do governo, acabei pedindo a remoção de Marcola e de outros 21 presos para o sistema penitenciário federal. Um juiz estadual deferiu o pedido em fevereiro de 2019. Eles [os criminosos] estão lá até hoje. Na verdade, a remoção cortou a cadeia de comando — não apenas com o Marcola, mas também com o primeiro e o segundo escalões do PCC. Isso causa problemas para a facção criminosa até hoje. Há uma disputa interna pelo poder e um paulatino enfraquecimento dessa cúpula, não da facção em si.
Quais grupos estão em ascensão dentro do PCC?
Quando planejamos fazer a remoção, já esperávamos um “racha” dentro do PCC. Como enviamos o primeiro e o segundo escalões do PCC para o sistema federal num único dia, houve dificuldade de transmitir o comando para quem estivesse em Presidente Venceslau II. Então, passaram o comando para a rua. Inicialmente, um dos líderes é Marcos Tuta. Em 2020, deflagramos uma operação que culminou em sua prisão. Naquela oportunidade, comprovamos que o PCC enviou para o Paraguai R$ 1,2 bilhão em apenas um ano. O tráfico de drogas nacional era o produto da arrecadação. De lá para cá, o poder está trocando de posição. O Marcola ainda é o líder, mas os próprios presos que foram com ele para o sistema penitenciário federal já estão divididos. Tínhamos o Roberto Soriano, por exemplo, que mandei para o sistema penitenciário federal em 2012. Ele queria matar policiais das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar [Rota]. Agora, o Soriano diz que está abandonado. Depois foi o Andinho, o Pacheco e o Gordão. Nenhum deles fala em resgate. Os líderes do PCC nas ruas estão na Bolívia. Gostam de se esconder lá.
Como foi a operação contra os criminosos que queriam assassinar Moro?
A PF acompanha os passos do Marcola, porque, desde que ele saiu do Presídio de Presidente Venceslau II, o plano do PCC é resgatá-lo. Mudou apenas o endereço. Agora, o plano é resgatá-lo em qualquer penitenciária federal em que estiver. Em Brasília, tiveram de decretar GLO, e Marcola acabou removido para Porto Velho [RO]. Lá, a Polícia Federal deflagrou a Operação Anjos da Guarda, que verificou a continuidade do plano de resgatá-lo. E Marcola acabou retornando para Brasília. Paralelo a isso, quando Marcola saiu de São Paulo, o PCC deixou claro que o plano A seria o resgate. O plano B era a minha execução; deram uma ordem para isso. Até agora, não conseguiram cumprir. Nesse decorrer da estadia dele no sistema federal, o PCC elaborou três planos. O plano A continua a ser o resgate. O plano B nada mais é do que atentados contra agentes públicos. O plano C é tomar o presídio em que Marcola estiver preso. Neste momento, os criminosos estavam deflagrando o plano B. Acabamos detectando isso e comunicamos a cúpula da Polícia Federal em janeiro deste ano. O inquérito foi rapidamente instaurado. Em 45 dias, em ação com o Ministério Público Federal de São Paulo [MP-SP], deflagramos a operação. Os indivíduos foram presos.
Com que frequência o senhor recebe ameaças de morte?
Costumo dizer que não recebi nenhuma ameaça de morte nos 18 anos em que trabalho contra o PCC. No entanto, há vários planos para me matar. Ando escoltado desde 2006, mas não com o número de policiais que me acompanham agora. O que mudou a minha vida, infelizmente, foi a omissão do Estado de São Paulo. Há muito tempo que o governo estadual deveria ter feito o pedido de remoção do Marcola para o sistema penitenciário federal. Tive de fazê-lo sozinho. Ali decretaram a minha morte. Essa ordem o PCC não conseguiu executar até hoje, principalmente pelo apoio da PM-SP. O trabalho deles é exemplar. Mas, especialmente, devo agradecer ao 8º Batalhão de Operações Especiais de Presidente Prudente. Recebi dezenas de informações de nosso trabalho de Inteligência sobre os planos do PCC para me assassinar, que inclui o uso de drones, explosivos e veneno. Infelizmente, o decreto foi dado. Eles agem como uma máfia, de forma terrorista. E isso não vai parar, mesmo depois de minha aposentadoria. Provavelmente, terei de ir embora do país assim que me aposentar. Como ficarei sem segurança dentro do Brasil?
Pelas atuais dimensões do PCC, é possível combatê-lo só com a mobilização das polícias?
Ainda não é necessária a utilização das Forças Armadas. Aliás, não é essa a vocação das Forças Armadas. Elas foram feitas para a guerra, para matar os inimigos. Estou nessa atividade há 18 anos, passei por diversos governos. O que vejo no Brasil é uma falta de política de segurança de Estado. A cada mudança de governo, troca-se a estrutura — seja da polícia, seja de órgãos de investigação. Aqui, aplica-se pouca Inteligência. Isso nos prejudica demais. Precisamos atuar de forma integrada. Tenho recebido semanalmente demandas de policiais europeus e norte-americanos em relação ao PCC. A facção criminosa brasileira foi incluída na ordem do Tesouro Nacional dos EUA. É gravíssimo. Isso existia apenas para os cartéis mexicanos e para as grandes organizações terroristas. Os EUA veem o PCC como uma organização que oferece riscos, inclusive para o governo norte-americano. Desenvolvemos um trabalho com o Tesouro Nacional dos EUA, no sentido de localizar as contas dos criminosos. Mantemos contato com os policiais da União Europeia, também. O crime não pode ser combatido apenas no território nacional — é preciso uma atuação conjunta dos governos da América do Sul e da Europa. O PCC está inundando a Europa de cocaína. Na Bélgica, por exemplo, há um colapso na saúde pública. A cocaína vendida naquele país é oriunda do Brasil.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que os ataques do PCC são uma armação de Moro. Como o senhor se sente ao ouvir isso?
Gostaria que as polícias federais e as polícias estaduais trabalhassem de maneira integrada, usando Inteligência e otimizando suas forças. Foi isso que fizemos nessa investigação. Ela começou no Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo [Gaeco]. Eu que levei uma testemunha protegida para depor. Eu e Mário Sarubbo, procurador-geral de Justiça, que levamos o caso ao conhecimento do ex-ministro Moro e de sua esposa. Isso ocorreu em 30 de janeiro. Na mesma data, encontramos a cúpula da PF, para quem entregamos uma representação para a instauração de uma investigação. Já havia elementos que indicavam que Moro era um dos alvos. A PF de Curitiba instaurou um inquérito policial em 3 de setembro do ano passado. Mantive contato diário com o delegado Martin Bottaro Purper, a quem rendo as minhas homenagens. Eu havia prometido ao ex-ministro Moro que rapidamente identificaríamos e prenderíamos os criminosos. E conseguimos fazer isso, com o apoio magistral da Polícia Federal. São 45 dias de operação, um tempo recorde. Apenas uma ação integrada permite essas coisas. Salvamos a vida de pessoas inocentes. Não há invenção nenhuma, podem ficar tranquilos.