O incidente ocorreu perto das ilhas Paracel, no mar do Sul da China, um dos pontos de maior tensão entre a ditadura comunista e seus vizinhos, no Pacífico Ocidental
Em mais um episódio de atrito entre as potências antagonistas da Guerra Fria 2.0, a China afirmou nesta quinta (23) ter afastado um destróier americano de águas que considera territoriais.
O incidente ocorreu perto das ilhas Paracel, no mar do Sul da China, um dos pontos de maior tensão entre a ditadura comunista e seus vizinhos, no Pacífico Ocidental. Pequim considera cerca de 85% da região sua e militarizou diversas ilhotas, recifes e atóis a partir de 2014 para asseverar tal controle.
Segundo o Comando do Teatro Meridional das Forças Armadas chinesas, o navio de guerra USS Milius invadiu suas águas em torno das ilhas e foi afastado, embora não tenham sido dados detalhes de como isso teria ocorrido.
A 7ª Frota da Marinha dos EUA, responsável pelo navio, disse que não houve nem intrusão, nem expulsão. Sobre o primeiro ponto, repetiu em comunicado o argumento usual dos americanos na região.
“Os EUA vão continuar a voar, navegar e operar em qualquer lugar permitido pela lei internacional”, disse a nota.
O USS Milius é 1 dos 70 destróieres da classe Arleigh Burke, o cavalo de força da Marinha americana, capaz de disparar mísseis de cruzeiro e de defesa antiaérea. A China opera 42 navios semelhantes, com graus diferentes de sofisticação.
O episódio ocorre um dia depois de o líder chinês, Xi Jinping, ter encerrado uma visita de três dias a Vladimir Putin, o presidente russo que invadiu a Ucrânia em 2022. O alinhamento entre Moscou e Pequim no contexto da Guerra Fria 2.0 entre chineses e americanos foi selado 20 dias antes da guerra, em fevereiro do ano passado, e reafirmado agora.
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Os EUA e a Ucrânia consideram, assim, a China parcial em sua tentativa de mediar o conflito. Nesta quinta, contudo, o premiê espanhol Pedro Sanchéz aceitou um convite de Xi para visitá-lo na semana que vem, após a viagem de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Pequim. A chancelaria disse que eles discutirão a proposta de paz chinesa —o país europeu é integrante da Otan, o clube militar liderado por Washington.
A visita de Xi ocorreu logo depois de o Tribunal Penal Internacional emitir uma ordem de prisão contra Putin por crimes de guerra. Nem Rússia, nem China, EUA ou Ucrânia reconhecem a corte, mas o mal-estar prossegue.
Nesta quinta, o ex-presidente Dmitri Medvedev disse que uma eventual prisão de Putin equivaleria a uma declaração de guerra, dando como exemplo “usar todos nosso mísseis contra o Bundestag”, o Parlamento alemão, se hipoteticamente Berlim cumprisse a ordem. Porta-voz da linha-dura radical do governo, Medvedev já havia ameaçado bombardear o tribunal em Haia (Holanda).
O incidente vem na esteira de uma série de altercações entre as potências em suas fronteiras de contato. No começo do ano, houve a crise dos óvnis, quando os EUA derrubaram um balão chinês sobre seu território acusando Pequim de espionagem.
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Depois, um caça russo derrubou um drone americano durante o que pareceu uma abordagem agressiva no mar Negro, perto da Ucrânia, e outra aeronave de Moscou interceptou bombardeiros com capacidade nuclear B-52 que rumavam ao espaço aéreo da Rússia. Também nesta semana, o Kremlin respondeu à ida a Kiev de um rival de Xi, o premiê japonês Fumio Kishida, voando seus bombardeiros perto do Japão.
Tudo isso inserido no contexto de tensões cumulativas, não só na Europa, mas na Ásia. Desde que a então presidente da Câmara dos EUA viajou a Taiwan, ilha considerada rebelde por Pequim, a atividade militar chinesa em torno do local disparou. Washington tem reforçado sua presença política com a aliança Quad (com Austrália, Índia e Japão), e firmou um pacto militar novo no Indo-Pacífico com Austrália e Reino Unido.
No domingo, China, Rússia e Irã encerraram seu primeiro exercício naval conjunto no golfo de Omã. Lá estavam presente um destróier de Pequim, uma fragata de Teerã e outra de Moscou, essa a Almirante Gorchkov, a primeira equipada com mísseis hipersônicos no mundo.
O mar do Sul da China sempre foi um dos pontos mais críticos para Pequim porque quase todo seu comércio passa por rotas marítimas na região. Cerca de 80% dos hidrocarbonetos que consome, também.
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A região está na chamada primeira cadeia de ilhas, o quintal estratégico para a defesa do território chinês.
Seis países disputam a região, rica não só em rotas marítimas, mas também em gás, petróleo e pescado.
As Paracel se destacam por lá. São um conjunto de 130 ilhas e recifes disputados por potências diversas desde o século 15 —seu nome vem de uma corruptela espanhola da palavra prazer, usada pelos portugueses em suas visitas ao local.
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Estão estrategicamente dentro das águas territoriais tanto da China quanto do Vietnã, que disputa seu controle. Taiwan também o faz, alegando laços históricos. Mas foi Pequim quem militarizou a região e instalou um posto administrativo, virando dona de fato das ilhas.
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Os EUA não reconhecem isso, alegando a tal liberdade de navegação. Em 2016, um tribunal ONU julgou um caso específico de um grupo de bancos de areia e rochas próximo de Paracel, Scarborough. Lá, as Filipinas se queixaram da presença chinesa e tiverem ganho de causa, mas Pequim disse que a corte não tinha jurisdição válida para o processo.
Igor Gielow
São Paulo, SP