A oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está convencida de que o crime organizado detectou uma fraqueza do governo federal no combate às quadrilhas e à criminalidade. A prisão de suspeitos de organizar ataques contra agentes públicos, a exemplo do senador Sergio Moro (União Brasil-PR), a onda de violência ocorrida no Rio Grande do Norte sugerem a opositores que as facções criminosas se sentem livres e confortáveis para agir de forma mais radical em um governo de esquerda.
O deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública, entende que não há dúvidas de que as facções se sentem mais confortáveis para cometer crimes no atual governo e que isso sugere a percepção de fraqueza do governo em relação ao combate às quadrilhas.
Já o governo ressaltou que há ao menos 45 dias seus setores de inteligência identificaram o plano do PCC (Primeiro Comando da Capital) para atacar Moro e autoridades de segurança pública e conseguiram desarticulá-lo de forma eficaz e sem violência. O ministro da Justiça, Flávio Dino, ressaltou que a Polícia Federal (PF) não faz distinção na hora de proteger a sociedade e que Moro pode ter sido salvo devido à eficiência e independência da Polícia Federal.
Durante a operação Sequaz, a PF cumpriu ao menos nove de um total de 11 mandados de prisão e realizou buscas em 24 locais que podem ter sido usados no planejamento para matar ou sequestrar autoridades públicas.
A operação ocorreu dias depois do início de uma discussão política sobre uma visita de Dino à favela da Maré, no Rio de Janeiro, que é controlada pela facção criminosa Comando Vermelho.
“Basta ver o que ocorreu na campanha política, que Lula foi lá no Complexo do Alemão e não foi importunado com absolutamente nada. Depois, Flávio Dino [ministro da Justiça e Segurança Pública] foi ao Complexo da Maré negociar com ONGs pedindo que não haja incursões [policiais] na favela”, acusa Fraga. “A gente percebe claramente que há uma aproximação do PT e da esquerda com o crime organizado. Provas ainda não existem, mas logo, logo, chegaremos lá”, acrescenta Fraga.
Dino disse na ocasião que foi visitar representante de movimentos sociais e acusou opositores de “ódio a lugares onde moram os mais pobres”.
Interlocutores de Moro, que pediram para não ter seus nomes revelados, dizem que a análise de Fraga é partilhada entre outros senadores. Eles afirmaram acreditar que o ambiente favorece o avanço de projetos de lei que endurecem o combate ao crime organizado, como o Projeto de Lei (PL) 1307/2023 proposto por Moro.
Na mesma linha, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, associou o crime organizado e à esquerda em uma postagem de solidariedade a Moro, que foi ministro da Justiça e Segurança Pública em seu governo. Ele citou a morte do ex-prefeito petista Celso Daniel, em 2002, e o atentado sofrido por ele nas eleições de 2018, em uma referência crítica às facções criminosas.
A Polícia Civil de São Paulo concluiu porém que o assassinato de Celso Daniel foi um crime comum e não político. Mas, testemunhas foram assassinadas ao longo do processo.
“Em 2002, Celso Daniel. Em, 2018, Jair Bolsonaro, e agora Sérgio Moro. Tudo não pode ser só coincidência. O Poder absoluto a qualquer preço sempre foi o objetivo da esquerda”, comentou. “Nossa solidariedade a Sérgio Moro, [o promotor] Lincoln Gakiya e familiares. A CPMI [do 8 de janeiro] assombra os inimigos da democracia”, declarou.
Gakyia é um promotor do Ministério Público de São Paulo que vem enfrentando o PCC desde sua formação nos presídios paulistas no início dos anos 2001. Desde 2009, ele anda com escolta e diz que os planos para assassiná-lo são frequentes.
O fato de políticos e ativistas da esquerda defenderem uma determinação do Supremo que vem limitando as ações da polícia contra facções no Rio de Janeiro, por causa da pandemia, também reforça a percepção de opositores e analistas de segurança contra que o crime está com mais liberdade para agir.
Porém, a associação entre o fortalecimento do crime organizado por causa de políticas públicas da esquerda gera polêmica mesmo entre os analistas.
“Não se pode imaginar que os bandidos estejam aproveitando uma fragilidade em um governo de esquerda. Os bandidos estão mais preocupados com a sobrevivência e lucratividade deles”, disse o coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) José Vicente da Silva.
“Nós temos cerca de 70 facções criminosas no país e elas não conversam entre si, a não ser um ou outro jogo de conveniência criminosa de buscar armas, pegar drogas, mas elas são rivais”, comenta.
Por outro lado, ele afirma que o novo Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci II) lançado pelo governo federal “não funciona”. Sem um programa eficiente, o especialista alerta que a própria alocação de recursos para o setor fica comprometida. “O fundo nacional de segurança pública precisa estar contido dentro de um plano nacional, que não tem”, diz.
Oposição quer agenda de projetos e impeachment e CPMI contra Lula e crime
O PL proposto por Moro amplia a proteção dos agentes públicos ou processuais envolvidos no combate ao crime organizado e tipifica a conduta de obstrução de ações contra as facções. A percepção entre opositores no Congresso é de que a proposta do senador tem chances de avançar, ser aprovada e se somar às demais matérias em tramitação que abordam o enfrentamento à criminalidade.
A Comissão de Segurança Pública e Crime Organizado da Câmara, por exemplo, iniciou a discussão de uma agenda de pautas prioritárias a serem votadas neste início de legislatura. Há uma série de projetos que tramitam na Casa, como propostas que endurecem penas e até um projeto encaminhado pelo governo Bolsonaro que tem por objetivo garantir o pagamento de indenização às vítimas de crimes, paga pelos criminosos.
O presidente do colegiado, Sanderson (PL-RS), tem discutido a distribuição de relatorias com integrantes. “As conversas tiveram início e eu respondi quais seriam os projetos que tenho interesse em relatar. Foi feito o início de distribuição de relatorias”, diz o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP). Uma das medidas de enfrentamento à violência e ao crime defendida por ele é uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) de sua autoria, que garante a posse, o porte e a propriedade de arma ao cidadão.
O parlamentar endossa a percepção de que o governo tem uma “preferência pela conduta criminosa” e considera que sua análise é corroborada pelo decreto de Lula que altera a política de armas de Bolsonaro. “O governo preferiu realizar esforços para desarmar cidadãos de bem do que esforços para desarmar criminosos”, diz Bilynskyj. Ele também critica a decisão de Dino em ter extinguido os Comandos de Operações Especializadas da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e ter designado a corporação a focar apenas em sua atividade fim, ou seja, em fiscalizar as rodovias federais.
O deputado considera, ainda, que a investigação da Polícia Federal (PF) contra a quadrilha suspeita de organizar ataques contra agentes públicos vai aumentar um vínculo existente entre as declarações de Lula e as prisões realizadas pela corporação. “Por que o presidente declara que quer f… o Moro e, no dia seguinte, a PF prende caras que estavam agindo para isso?”, indaga. Após a fala de Lula e a investigação contra a quadrilha que ameaça Moro, Bilynskyj diz que “a oposição inteira” se mobiliza para pedir o impeachment de Lula.
Porém, a relação entre a fala de Lula na terça-feira e a operação da PF na quarta-feira foi descartada pelo ministro da Justiça, Flávio Dino. Ele disse que trata-se de uma “narrativa escandalosamente falsa”. Lembrou ainda que a PF protegeu o senador Moro.
Em outra frente, o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), por exemplo, ingressou nesta quarta com um pedido de impeachment contra o presidente da República. Para ele, Lula violou a imunidade assegurada a Moro com “nítido caráter de vingança” e cometeu crime de improbidade ao agir de modo “incompatível” com a “dignidade, a honra e o decoro do cargo de presidente” ao “ofender” e “ter sentimento de vingança” contra o senador.
Outra medida articulada por opositores é o pedido de abertura de uma Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) para investigar os planos da organização Primeiro Comando da Capital (PCC) de atentados contra Moro e outros agentes públicos. É o que propôs nesta quarta o deputado Coronel Meira (PL-PE) nesta quarta ao pedir a instalação de um colegiado com a participação de 15 senadores e 15 deputados federais.
Resistência do governo é desafio para avançar contra governo e facções
Apesar dos esforços, opositores temem que o governo fará o possível para impedir o avanço de estratégias que tentem associar Lula, a esquerda e o crime organizado. A tentativa do governo em retirar assinaturas da CPMI que propõe a investigação dos atos de vandalismo em 8 de janeiro, em Brasília, é visto como um exemplo prático pelo qual uma CPMI para investigar o PCC pode ser malsucedida.
Mesmo projetos de lei de endurecimento de pena são difíceis de aprovar em razão da obstrução do governo, critica o deputado Alberto Fraga. “A Câmara tem diversos projetos para resolver a questão [do combate ao crime organizado]. O problema todo é que falta vontade política. O PT não deixa aumentar pena ou propor mudança mais rígida, tudo tem mais dificuldade com PT e com PSOL”, comenta.
O presidente da Frente Parlamentar da Segurança Pública defende a aprovação de matérias como a redução da maioridade penal e o fim dos “saidões” de detentos dos presídios, mas reforça que propostas de avanço contra o crime são difíceis sem o apoio de uma maioria do Congresso. “Volto a dizer: projetos têm, e demais. Hoje mesmo apresentaram projeto aumentando em 80% a pena a alguém que cometer crimes contra agentes públicos. Mas falta vontade política para votar e aprovar”, critica Fraga.
O deputado destaca, contudo, que é possível a convocação de Dino para ir à Câmara esclarecer diferentes questionamentos de parlamentares, como sua ida ao Complexo da Maré e os projetos do atual governo para a segurança pública. A ideia é que a bancada da segurança pública decida nesta quinta-feira (23) sobre a convocação do ministro da Justiça. “Ontem fomos recebidos pelo ministro, foi muito sensível às nossas demandas da bancada, então, se ele atender, a gente dá uma estendida nos ânimos”, comenta.
Outra resistência do governo diz respeito à ideia de acionar as Forças Armadas para coibir a escalada da violência no Rio Grande do Norte. O deputado federal Sargento Gonçalves (PL-RN) e outros parlamentares pediram para que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco, (PSD-MG), peçam o envio de tropas militares por meio da edição de um decreto de garantia da lei e da ordem (GLO).
Até o momento, Lula e a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), têm resistido à edição da GLO. Gonçalves interpreta a objeção dos governos federal e estadual como uma conivência com o crime organizado no estado, que, segundo o parlamentar, promoveu ataques a mais de 50 municípios do estado.
Além de defender a aprovação de medidas legislativas que endureçam as penas contra o crime organizado e o combate à corrupção, Gonçalves destaca que foi apresentado um requerimento na Comissão de Segurança Pública da Câmara solicitando a instalação de uma comissão externa para acompanhar in loco a situação no Rio Grande do Norte e que ele também apresentou um pedido de impeachment contra a governadora.
A despeito da associação feita por opositores entre um governo de esquerda e o crime organizado, a correlação é rechaçada pelo coronel reformado da Polícia Militar de São Paulo (PM-SP) José Vicente da Silva. “Não se pode imaginar que os bandidos estejam aproveitando uma fragilidade em um governo de esquerda. Os bandidos estão mais preocupados com a sobrevivência e lucratividade deles. Nós temos cerca de 70 facções criminosas no país e elas não conversam entre si, a não ser um ou outro jogo de conveniência criminosa de buscar armas, pegar drogas, mas elas são rivais”, comenta.