Conheça mulheres pioneiras em escalada – 09/03/2023 – É Logo Ali


Ah, mas você vai publicar um texto sobre mulheres poderosas depois que o Dia das Mulheres passou?

Pois então: vou, sim. E sabe por quê? Porque todo dia deveria ser de pensarmo-nos como mulheres e podermos como tal, para começar. E não falo aqui daquelas que esperam um botãozinho de rosa murcho na mesa da firma, ou que ganharam um bombom embalado em papel cor-de-rosa com alguma mensagem edulcorada. Mas das mulheres que batalham a cada dia e ocupam todos os espaços, nem que seja a cotoveladas e purgantes no Campari dos machinhos sem noção. Vou falar de nós, as mulheres enxeridas, atrevidas e donas de nossos narizes, destinos e, por que não, mochilões. E segue o fio!

Vou homenagear mulheres que decidiram encarar as empreitadas até então exclusivas de homens, os eternos guerreiros das narrativas, e que fizeram história antes mesmo de conquistar o direito de voto. Mulheres como Marie Paradis, uma empregada doméstica da cidade francesa de Chamonix, que em julho de 1808 foi a pioneira a chegar aos 4.808 metros do Mont Blanc, nos Alpes, conquistando o apelido de “Marie de Mont Blanc”. Embora ela tenha sido efetivamente a primeira a pôr as botinas no cume, reza a lenda que foi praticamente carregada para cima pelo grupo de homens que a acompanhou, depois que se sentiu mal pouco antes de chegar ao topo, sendo, inclusive, cegada pela neve.

Então, a primeira mulher que efetivamente subiu ao Mont Blanc com as próprias pernas, e usando um modelito que pesava 7 quilos criado por ela mesma para a ocasião, foi Henriette D’Angeville, em 1838.

A façanha, que atualmente parece banal para qualquer montanhista minimamente experiente, foi alcançada apesar não só da má vontade dos homens que apostavam quanto tempo ela levaria para desistir, mas, principalmente, pelo detalhe de que, em um mundo vitoriano, mulheres não usavam calças. Dá para imaginar o que é subir pedras geladas acima usando saião até os tornozelos, varrendo as pedras do percurso, portando espartilhos para tirar o ar já rarefeito das subidas e equilibrando toucas armadas na cabeça, enrolando-se apenas pela cintura nas cordas? Ah, claro, porque não lhes era permitido usar harness, a cadeirinha que liga as cordas ao corpo do escalador, e que se veste pelo meio das pernas. Mulheres decentes jamais se permitiriam usar tal coisa!

A primeira mulher a escalar usando calças acabaria sendo a americana Annie Smith Peck, em 1890. Pensa num escândalo? A repercussão foi tamanha que seus colegas homens chegaram a propor a proibição do esporte para mulheres. Não que tenha dado muito certo, claro. Até então, só havia um meio termo, criado com a fundação dos primeiros clubes de escalada exclusivamente femininos, como o Ladies’ Scottish Climbing Club, de 1808, que recomendavam a suas associadas que começassem a subida com os saiões pudicos, tirando-os à medida que começavam a atrapalhar e ficando com calças abaixo dos joelhos, mas bem longe dos olhares masculinos.

As cholitas escaladoras

Se dá urticária só pensar naquelas damas vitorianas enfatiotadas montanhas acima, um time não menos peculiar foi notícia há apenas três anos, quando o grupo conhecido como “As cholitas escaladoras” resolveu subir o monte Aconcágua (6.962 metros de altitude), a montanha mais alta das Américas, usando as roupas tradicionais de seu povo —as saias armadas e coloridas com que são vistas em todo o planalto andino. Com orações à divindade maior Pachamama, ou Mãe Terra em aymará, decidiram mostrar ao mundo que elas tinham condições de subir aos cumes, como os seus maridos, guias que acompanhavam os turistas. Até então, a elas só era permitido carregar bagagens até parte das subidas, ganhando menos, obviamente, e o cume era só para os guias homens, mesmo que os grupos incluíssem mulheres não locais.

A líder do grupo, a professora Ana Lía Gonzales, conhecida como Lilita, falou com a Folha logo após a façanha e resumiu assim sua conquista, ecoando as colegas: “Para mim, é importante porque lembra a minha avó. A saia é um símbolo de luta, de mãe, porque mulheres aqui são muito fortes, arrumam dinheiro onde for preciso para manter seus filhos. E, às vezes, um pouco rebeldes”.

Porque é de rebeldia que se movimenta a roda do empoderamento, e ela não limita seus ciclos a calendário algum. Então, cada vez que encontrar com outra mulher pelas trilhas e montanhas da vida, lembre-se de homenagear essas pioneiras que viabilizaram nossos caminhos, combinado?


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