Câmara aprova “projeto Zanin”, que favorece réus no STF



O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (22), a proposta que estabelece que, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) chegar a empate num julgamento de um caso criminal, haverá decisão favorável ao réu. Atualmente, isso ocorre apenas em habeas corpus, ação que tem por objetivo soltar uma pessoa presa ou com risco de ir para a cadeia.

O Projeto de Lei 3453/2021, aprovado às pressas pelos deputados, diz que “em todos os julgamentos em matéria penal ou processual penal em órgãos colegiados, havendo empate, prevalecerá a decisão mais favorável ao indivíduo imputado”. A proposta ainda precisa passar pelo Senado e sanção do presidente da República para virar lei.

A proposta foi apelidada pelo deputado Deltan Dallagnol (Podemos-PR) de “projeto Cristiano Zanin”, o advogado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que conseguiu, no STF, anular vários de seus processos na Lava Jato. Ele é o preferido do petista para substituir o ministro Ricardo Lewandowski, que se aposenta em maio.

Se nomeado, Zanin herdaria todos os seus processos, mas seria impedido de julgar um dos mais importantes, aquele que contém pedidos de anulação de inquéritos e ações penais de vários réus importantes da operação, porque ele mesmo é autor da ação na condição de advogado de defesa.

Com base nisso, outros réus passaram a acionar o ministro Lewandowski, dentro do mesmo processo, inaugurado por Zanin, pedindo para si a extensão das decisões que favoreceram Lula. Desde o ano passado, o ministro do STF já atendeu vários desses pedidos e muitos outros ainda estão pendentes de decisão.

Com o hipotético impedimento de Zanin nesses casos, os pedidos de anulação pendentes seriam analisados pela Segunda Turma do STF, composta pelos ministros Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques, Edson Fachin e André Mendonça. Nessa situação eventual, caso houvesse empate – os dois últimos costumam votar contra anulações na Lava Jato, e os dois primeiros a favor – o resultado seria favorável aos réus de qualquer modo.

A proposta aprovada na Câmara foi apresentada em novembro de
2021 pelo deputado Rubens Pereira Júnior (PC do B-MA), mas andava a passos
lentos e estava com a tramitação paralisada desde junho do ano passado. Nesta
terça (21), de surpresa, antes de sua análise e votação na Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ), ela foi levada para votação diretamente no plenário da Câmara,
e foi pautada para a sessão desta quarta-feira (22).

Dallagnol diz que sociedade perde com a mudança

A aprovação foi rápida, de maneira simbólica, sem contagem
individual dos votos. Um dos únicos a protestar contra a mudança foi Deltan
Dallagnol, ex-chefe da Lava Jato em Curitiba. Nesta terça, o deputado criticou,
no Twitter, a pressa em aprovar o projeto. “Se o PL 3453 for aprovado, o
sistema, que já pune a sociedade, ficará ainda mais injusto. Temos um sistema
em que as chances de o Ministério Público ganhar discussões em habeas corpus
contra réus com bons advogados é ínfima. A sociedade sempre perde”, postou.

A possibilidade de empates levarem sempre a beneficiar o réu
– não somente em habeas corpus – começou a ser discutida no STF em dezembro do
ano passado, num julgamento virtual do plenário. Na época, 6 entre os 11
ministros – Edson Fachin, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Roberto Barroso, Alexandre de
Moraes e Rosa Weber – votaram para que, nos empates ocorridos numa turma em
razão de suspeição ou impedimento de um dos ministros, fosse chamado algum de
outra turma para desempatar o placar.

Lewandowski, Dias Toffoli e Kassio Nunes Marques votaram para que o resultado beneficiasse o réu. Mas já havia maioria de votos contra isso. Gilmar Mendes, então, pediu vista, impediu que o julgamento fosse finalizado e que uma decisão sobre a questão fosse proclamada.

Para Dallagnol, a questão precisaria ser mais discutida pela Câmara – o que não ocorreu. “Qual é a urgência? Por que votá-lo AGORA?”, protestou. “O nosso sistema é uma máquina de moer processos judiciais de grandes operações quando há discussões jurídicas legítimas controvertidas. O PL 3453 agrava isso ainda mais, garantindo que o réu ganhe também quando houver empate em recursos em geral”, alertou. “Precisamos de um sistema que garanta os direitos dos réus MAS TAMBÉM os da sociedade, protegendo as vítimas contra os criminosos. Precisamos de um sistema mais justo, e não piorar um sistema que já transforma o direito à defesa em direito à impunidade.”

O deputado Elmar Nascimento (União-BA), cacique do Centrão,
assumiu a relatoria do projeto para a votação no plenário da Câmara. Em seu
parecer, ele disse que a proposta honra o princípio da presunção de inocência. “Sempre
que se verificar empate no julgamento de uma ação penal, de tal decorrência
emerge uma dúvida razoável que somente pode ser considerada em favor do réu, e
jamais em seu prejuízo; reclamando a aplicação do in dubio pro reo, sob pena de
inobservância do próprio princípio da presunção de inocência.”

O projeto de lei ainda faz uma alteração no CPP para permitir
que qualquer juiz conceda um habeas corpus de ofício – ou seja, por iniciativa
própria, sem necessidade de pedido do investigado/denunciado/réu – se verificar
“violação ao ordenamento jurídico”. Isso valerá tanto para casos individuais,
como para coletivos, e poderá ser feito “ainda que não conhecidos a ação ou o
recurso” – isto é, naquelas hipóteses em que pedido for incabível por razões processuais.
Basta o juiz considerar que a prisão ou risco dela é ilegal para livrar a
pessoa, seja impedindo a detenção ou mesmo suspendendo ou trancando o processo.

O que Lewandowski já anulou no STF

Desde o ano passado, dentro da ação apresentada por Zanin em
favor de Lula, Lewandowski anulou vários processos contra outros réus da Lava
Jato.

Em setembro, ele suspendeu ações penais e investigações contra
o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), o prefeito do Rio de Janeiro (RJ),
Eduardo Paes, e o ex-ministro do Planejamento Paulo Bernardo, porque também se baseavam
em provas entregues pela Odebrecht em seu acordo de leniência.

Pelo mesmo motivo, em dezembro de 2022, o ministro do STF trancou
uma ação penal que tramitava na Justiça Eleitoral de São Paulo contra o
vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). Ele era acusado de receber doações
ilegais da Odebrecht nas campanhas de 2010 e 2014 ao governo de São Paulo. No mesmo
mês, o ex-presidente da Fiesp Paulo Skaf se livrou de uma ação semelhante, por
suposto recebimento de caixa 2 para sua campanha de 2014.

Em fevereiro deste ano, Lewandowski acolheu pedido
semelhante, desta vez para suspender ação penal contra Paulo Okamotto, suspeito
de intermediar doações ilegais da Odebrecht para o Instituto Lula, do qual é
diretor.

Na semana passada, ministro suspendeu mais cinco ações penais.
Uma delas tramitava contra o ex-senador Edison Lobão, Márcio Lobão (seu filho)
e Marta Lobão (sua nora), por delitos relacionados à construção da usina de
Belo Monte. Outra tinha como alvo o almirante Othon Pinheiro da Silva,
ex-presidente da Eletronuclear, por suspeitas de corrupção na construção do
Estaleiro e Base Naval da Marinha no Município de Itaguaí (RJ). A terceira ação
tinha como réu Jorge Atherino, acusado de ser operador financeiro do
ex-governador do Paraná Beto Richa. Outra ação mirava o advogado Rodrigo Tacla
Duran, que trabalhou para a Odebrecht.

Todos esses pedidos foram submetidos a Lewandowski porque,
em agosto de 2020, na Segunda Turma do STF, ele votou e obteve apoio da maioria
dos ministros do colegiado para dar a Lula acesso maior a provas entregues pela
Odebrecht no acordo de leniência.

Isso havia sido negado por Edson Fachin, relator original da
ação e de toda a Lava Jato do Paraná no STF. Como ele ficou vencido na análise
de um recurso no julgamento colegiado sobre o caso na Segunda Turma,
Lewandowski assumiu o processo e passou a receber, dentro dele, diversos outros
pedidos de anulação ou suspensão de outros processos.

Nesses pedidos, assim como Zanin, os advogados de outros
réus dizem que sistemas e planilhas da Odebrecht que registravam pagamentos da construtora
para diversos políticos poderiam ter sido adulterados, porque faltaria um
atestado de integridade dos arquivos, que foram transportados da Suíça. Lewandowski
acolheu essa acusação e tem decretado, caso a caso, a nulidade dessas provas,
esvaziando assim, as ações e investigações nelas baseadas.

Quais outros réus podem ser beneficiados?

Existem vários outros pedidos de extensão, para anular ou suspender
inquéritos ou processos criminais pelo mesmo motivo. Aguardam uma decisão
favorável de Lewandowski, entre outros:

  • Sergio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro, acusado de receber R$ 2,7 milhões de propina da Odebrecht e outras construtoras para obras da Comperj, da Petrobras;
  • Anthony Garotinho, ex-governador do Rio de Janeiro, denunciado por suposto recebimento de propina da Odebrecht na construção de casas populares em Campos dos Goytacazes;
  • Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara, acusado de receber propina no PAC SMS, projeto ambiental celebrado entre Petrobras e Odebrecht;
  • Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa (estatal paulista de infraestrutura), acusado de corrupção nas obras do Rodoanel, em São Paulo;
  • Mario Rodrigues Junior, ex-diretor da ANTT e da Dersa, suspeito de lavar dinheiro na Suíça para a Galvão Engenharia;
  • Dirceu Pupo Ferreira, ex-administrador de uma empresa de Beto Richa, suspeito de auxiliá-lo a receber propina na concessão de rodovias estaduais no Paraná;
  • Jorge Glas, ex-ministro do Equador, que teria recebido propina da Odebrecht, para beneficiar a construtora em obras no país.

Outros pedidos semelhantes ainda podem chegar. Depois de maio, eles ficarão para o sucessor de Lewandowski, que herda os processos de seu gabinete. Zanin, porém, estaria impedido de atuar neles por causa de uma regra do Código de Processo Penal segundo a qual um juiz não poderá julgar processos em que tiver, anteriormente, tiver atuado como advogado.



source