Com seu português fluente mas de sotaque italiano, a esgrimista Nathalie Moellhausen, 37, acha curiosa a percepção de que “sumiu” após as Olimpíadas de Tóquio, em 2021.
Ela parou de fazer postagens e aparecer nas redes sociais. Isso, acredita, fez parecer a muita gente que a atleta estava “morta”. Mentira. Continuava a treinar, mas longe de comentários, cliques e curtidas.
“Eu estava mais viva do que nunca. As pessoas me veem ganhar e acham que eu renasci. Quando você ganha, aparece. Quando perde, desaparece. Foi a melhor lição de vida de Tóquio-2021”, constata.
Nascida em Milão, ela era esperança brasileira de medalha. Chegou ao Japão carregando na bagagem o título mundial de 2019 e a quarta posição no ranking mundial. Nathalie deu azar no sorteio e cruzou o caminho da italiana Rossella Fiamingo, prata na Rio-2016, na primeira rodada. Perdeu por 10 a 9 na prorrogação.
Já venceu duas etapas da Copa do Mundo depois disso. Em janeiro deste ano, em Doha, no Qatar; e no mês passado em Barcelona, na Espanha. Ela voltou a ser notícia, apenas para confirmar sua teoria: quando ganha, aparece.
Não que estar escondida, pelo menos fisicamente, seja um problema. A máscara, estar com o rosto escondido, é o componente da esgrima que mais a fascina. É também o motivo pelo qual decidiu praticá-lo. Ela vê o apetrecho com tamanha fascinação que crê ser este seu meio de comunicação com as pessoas. Pouco importa que não possam enxergar o seu rosto.
“Quero manter este mistério da máscara. Todos nós estamos escondidos atrás de uma. A nossa sociedade quer informações rápidas e imediatas, sem ter de pensar muito. Eu sempre usei a máscara como um objeto de arte e a prática da esgrima é uma arte. Eu estou praticando uma arte que tem de ser treinada no dia a dia”, define.
Nathalie vive há 12 anos em Paris e sua visão da máscara coincide com a do filósofo, epistemólogo, poeta, físico e crítico literário francês Gaston Bachelard, de que é um objeto de mistificação –a ideia de que muitos usam a máscara no lugar do verdadeiro rosto como uma maneira de dissimulação.
Estudante de filosofia e diretora de arte, a esgrimista começou no esporte, quando criança, pelo poder de esconder a própria face.
“Eu era muito tímida. Achava que era feia. Quando vi a máscara, pensei: ‘nossa, que legal!’ Quando eu a colocava, sentia que era outra pessoa. Ali, eu estava no meu mundo. A esgrima é isso. Uma relação entre dois interlocutores escondidos atrás de máscaras, sem conversa verbal, mas que têm uma comunicação que se desenvolve por nove minutos e 15 toques”, compara, citando o tempo de cada combate.
O fascínio que a máscara exerceu sobre Nathalie nunca morreu.
“Por causa dela e por não ver o rosto, é importante sentir o outro. Não dá para escutar, não dá para enxergar a cara, dá para sentir por meio dos movimentos, das atenções. A esgrima é um jogo de quem vai impor sua vontade”, completa.
A vontade que não sai da sua cabeça, já há alguns anos, é ser uma referência do esporte brasileiro e inspirar jovens por meio da modalidade. Ela lançou o projeto “seja seu próprio herói”, mais uma vez usando a máscara como tema. O artista Kobra vai pintar três delas, uma representando um leão, o animal mais apontado por crianças de projetos sociais.
Três serão levadas a Paris para as Olimpíadas.
“Hoje em dia me vejo ainda mais neste papel. É a minha missão [ser referência e criar um legado]. Se eu peço para as crianças serem heróis de si mesmas, eu tenho de ser herói de mim mesma. A finalidade é ajudá-las a usarem este poder da máscara. Eu preciso mostrar para elas que ainda sou capaz de ganhar.”
A máscara é mais uma vez uma alegoria. Quando o herói a coloca, esconde quem realmente é ou se revela? Qual é a verdade?
“Há muitas crianças no Brasil que poderiam ser campeãs olímpicas no futuro. Eu estive com elas e têm cabeças incríveis. Isso aconteceria tranquilamente se tivessem apoio.”
Nathalie não gosta do argumento da vitória a qualquer preço. Ela considera o que faz uma arte e não podem existir vencedores e vencidos. Mas entende que, para o seu sonho de deixar uma imagem para futuros atletas olímpicos na esgrima se tornar realidade, precisa vencer, especialmente no ano que vem, em Paris.
Em nome desse objetivo ela treina caratê, boxe, faz preparação física, pratica dança, passa por sessões com psicólogo e tem um trabalho especial com nutricionista. É algo que vai muito além do esporte.
Ela busca a resposta em si para não repetir o resultado de Tóquio. Sem envolver pedidos a forças superiores. Lembra-se de frase que sua madrasta lhe disse, de que “toda vez que pedimos força a Deus, Ele manda problemas”.
“As derrotas são provas que colocam em jogo nossa capacidade de acreditar nos nossos sonhos. As derrotas na esgrima e na vida vão testando a gente. Se você pede força para Deus durante o combate, Ele te manda a derrota, que é a única coisa que te permite evoluir e manter os pés no chão. A gente vive uma sociedade em que as pessoas não enfrentam a derrota. É muito mais fácil se deixar abater por ela. O certo é vencer a derrota.”