No domingo passado (19/3), esta Folha abriu página inteira para uma entrevista com o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Nela, o general reformado criticou a intenção do atual governo de proibir que militares da ativa ocupem cargos públicos. A proposta, disparou, implicaria tratá-los como “cidadãos de segunda categoria”.
O cidadão Mourão foi vice de Bolsonaro, o qual multiplicou o número de fardados nos altos escalões da administração federal, às vezes com resultados desastrosos. Foi o caso da gestão da Saúde sob a chefia do general Eduardo Pazuello; não deu outra no Conselho Nacional da Amazônia Legal coordenado pelo mesmo Mourão.
Na Vice-Presidência, fez cara de paisagem enquanto o chefe tentava tudo para envolver as Forças Armadas na ofensiva de descrédito das instituições democráticas.
A derrota do putsch de 8/1 deveu-se à firmeza do novo governo —e ao fiasco da tentativa de nele engajar os quarteis. Na hora H, o Alto Comando das três Armas foi fiel a seu papel constitucional, ao contrário do que previam alguns especialistas.
É verdade que nenhum outro presidente cortejou tanto os militares como o ex-capitão e decerto nenhum outro contou com tanta simpatia entre comandantes e comandados. Mesmo assim, nem uns, nem outros se deixaram seduzir pela miragem golpista. Agora abre-se uma oportunidade para continuar a construção de relações civis-militares que fortaleçam a ordem democrática.
Esse processo, que o economista e ex-ministro espanhol da Defesa Narcis Serra (1982-1991) chamou de “transição militar” —o fim do poder de veto da caserna sobre assuntos civis e o estabelecimento da supremacia paisana sobre as políticas da área—, aqui se iniciou timidamente com a criação do Ministério da Defesa sob chefia civil, em 1999, e foi interrompido já no primeiro ano da infausta passagem de Bolsonaro pelo poder.
Seu ressurgimento inclui a medida criticada por Mourão, fortalecida, de resto, com a investidura do político José Múcio Monteiro na pasta que parcela dos fardados de alto coturno consideravam seu espaço exclusivo.
Só que não basta. Será crucial implantar uma política que estabeleça com nitidez as funções legítimas das Forças Armadas, amplie os quadros civis competentes em questões de defesa e faça uso ponderado das Operações de Lei e Ordem. Nesse conjunto, a punição de militares envolvidos em crimes contra o Estado de Direito poderá ser um instrumento a mais.
A matéria entrará em breve na pauta do Senado quando apreciar o veto de Bolsonaro àquele dispositivo da lúcida legislação que substituiu a senil Lei de Segurança Nacional.
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