A crise política envolvendo a normativa da Receita Federal, que aumentava o monitoramento das transações financeiras, entre elas o Pix, é mais um episódio vivido pelo governo que pode afetar a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em uma eventual disputa em 2026.
Apesar de o Executivo ter recuado na medida e apresentado uma Medida Provisória para assegurar a gratuidade do Pix, o desgaste político se soma à queda de popularidade registradas pelo petista, ao aumento do dólar, à inflação crescente e à batalha contra o Congresso Nacional para limitar as emendas parlamentares.
No caso envolvendo o Fisco, o governo argumentou que a nova norma não significaria aumento de tributação nas transações feitas pelos cidadãos e tentou difundir a narrativa de que a onda de protestos nas redes sociais era fruto de “desinformação”. Em coletiva de imprensa na quarta-feira (15), o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, disse que o caso virou “uma arma na mão de criminosos inescrupulosos”.
No entanto, a dúvida em relação ao que poderia ocorrer na declaração do Imposto de Renda, como uma eventual multa por superar o limite de R$ 5 mil, acirrou o clima de insegurança que pairava no meio digital. O vídeo publicado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) comentando o tema foi visto por analistas e pelo próprio governo como fator decisivo para o movimento de recuo.
Na gravação, ele disse que o governo queria monitorar profissionais informais como se fossem “grandes sonegadores”. O deputado esclareceu que o Pix não seria taxado, mas avaliou que a medida poderia estar nos planos do governo Lula mais adiante.
A própria retirada da medida também gerou desgaste para o governo. Em entrevista à CNN, Nikolas Ferreira questionou o motivo de o governo federal ter revogado a nova regra. “Se era fake news, por que revogou?”, disse.
“Essa é a pergunta que ninguém consegue responder. Afinal de contas, é impressionante: eles comunicam algo e dizem que não, vocês são incapazes de entender”, afirmou o parlamentar.
Na avaliação do cientista político Adriano Cerqueira, docente do Ibmec de Belo Horizonte, o governo federal busca arrecadar a qualquer custo. Para ele, a proposição da medida, que agora foi revogada, é reflexo da estratégia do presidente Lula de usar os recursos públicos para sustentar alianças políticas.
“Essa normativa atingiria principalmente os trabalhadores informais, que dependem da receita do dia a dia, o que tende a piorar ainda mais a avaliação do governo”, apontou. Ele também destacou que, historicamente, “quando o Estado põe a mão no bolso do cidadão, a insatisfação popular aumenta”, o que pode agravar a desaprovação ao governo federal.
O caso pode agravar a queda de popularidade do petista, que, antes dessa crise, já se encontrava em declínio. De acordo com o levantamento da AtlasIntel*, divulgado na sexta-feira (10), a desaprovação de Lula chegou a 49,8%, superando a aprovação, que ficou em 47,8%. Já no estudo do PoderData**, realizado em dezembro de 2024, 33% dos entrevistados avaliaram o governo como “ruim ou péssimo”, enquanto 27% o consideraram “ótimo ou bom”. Esses números refletem uma trajetória de queda desde o início do mandato e ressaltam a necessidade de reverter esse quadro para consolidar a viabilidade eleitoral em 2026.
Dólar alto e inflação continuarão sendo desafio para Lula em 2025
Após já ter beirado a chegar aos R$ 6,30, a cotação do dólar também é projetada como elemento de pressão sobre a política econômica do governo Lula para 2025. Só no ano passado, a moeda americana subiu 27,3%, enquanto o Ibovespa caiu 10%. A perspectiva do mercado é que a moeda varie entre esse valor e R$ 6,20 neste ano.
Lula e seu governo atribuíram a alta a diversos fatores, como ataque especulativo, incompetência do Banco Central e pressão do mercado sobre o Executivo. Mas a avaliação de economistas é que a resistência do governo em cortar gastos é um dos principais fatores para a desvalorização da moeda brasileira frente à moeda americana.
O resultado dessa incerteza foi observado no mês de dezembro, quando a autoridade monetária precisou injetar US$ 21,57 bilhões, a maior intervenção realizada no mercado de dólar à vista desde 1999. A ação do BC teve o objetivo de contrabalançar a fuga recorde de dólares do Brasil, que alcançou US$ 26,41 bilhões em dezembro, a maior desde o início da série histórica, em 1982.
A pressão da moeda americana também influencia a taxa de juros, que consequentemente impacta a inflação. Apesar da promessa de alimentos mais baratos, a carne foi o setor mais atingido e registrou um aumento de 20,84% em 2024, fazendo com que o item fosse o vilão da inflação no grupo de alimentos do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A inflação oficial do Brasil fechou em 4,83%, acima do limite máximo da meta estipulada pelo governo federal.
“O impacto da inflação deixou de ser conjuntural e tornou-se estrutural. Na última Black Friday, por exemplo, fiquei surpreso ao ver promoções em itens básicos como hortifrutis, algo impensável antes. Isso demonstra como os altos preços estão atingindo o orçamento diário do cidadão”, comentou Cerqueira. Ele acrescentou que “a inflação, aliada à valorização do dólar, tende a persistir, agravando a sensação de carestia.”
Pacote de gastos de Lula pode não ter o impacto esperado
Se inflação e dólar já pressionavam a economia brasileira, o pacote de gastos do Executivo (PEC 45/2024) aprovado pela Câmara dos Deputados em dezembro não deve surtir grande efeito nas contas públicas, o que pode complicar ainda mais a situação política do Palácio do Planalto. A medida ainda será analisada pelo Senado.
O texto buscava, em um dos seus pontos, conter os gastos com os chamados “supersalários”, aqueles que ultrapassam o teto constitucional, que hoje é de R$ 44 mil mensais. No entanto, a versão que avançou na Câmara não conteve os “penduricalhos” -adicionais concedidos a uma parcela do alto funcionalismo público.
Segundo estudo realizado pelo Movimento Pessoas à Frente, os benefícios custaram ao menos R$ 11,1 bilhões em 2023. Desse montante, R$ 7 bilhões são do Judiciário e R$ 4 bilhões do Ministério Público. Apesar das mudanças feitas pelos parlamentares, a equipe econômica considera que a previsão inicial de economia, de R$ 71,9 bilhões em dois anos, será mantida.
Por outro lado, economistas estão céticos de que o projeto aprovado no Legislativo possa melhorar as contas públicas. De acordo com levantamento da Quaest***, publicado em dezembro, 58% dos especialistas entrevistados consideram o pacote de gastos nada satisfatório e 42%, pouco satisfatório.
Impasse nas emendas impacta prefeituras e causa insatisfação no Congresso
A suspensão do pagamento de emendas parlamentares por parte do ministro Flávio Dino, do STF, também pode levar Lula a se indispor com cabos eleitorais importantes para 2026: os prefeitos e até deputados e senadores aliados e do Centrão. Em dezembro, o magistrado manteve o bloqueio de R$ 4,2 bilhões de emendas de comissão, após alegar que a resposta da Câmara sobre as indicações de repasses não foi satisfatória.
Apesar de o Psol ser autor da ação que originou o imbróglio, o Congresso enxerga uma aliança entre Dino e o Palácio do Planalto para bloquear os recursos. O interesse por parte do governo seria utilizar o montante para compor o arcabouço e ter maior domínio sobre o orçamento público.
Além disso, Lula também vetou um trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que proibia que o Executivo bloqueasse as emendas impositivas, as de bancada e individuais. Na justificativa, o governo afirmou que o item da lei aprovada pelo Congresso não respeitava o entendimento atual do STF.
A soma desses fatores desaguou em insatisfação por parte dos deputados e senadores, que já estão sendo cobrados por prefeitos e lideranças locais pela liberação dos valores.
O cientista político Elton Gomes, professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), destaca que, se o bloqueio desses recursos perdurar, a gestão petista pode encontrar dificuldade em dialogar com as prefeituras em 2026, bem como aprofundar o desgaste com o Congresso.
“O resultado dessa situação é um cenário de instabilidade e ineficiência, onde a disputa pelo controle do orçamento entre executivo e legislativo prejudica a governabilidade e a implementação de políticas públicas”, afirma Gomes
Ele também acrescentou que “o atual presidente é campeão de vetos derrubados e de liberação de emendas com resultados muito frágeis. Só consegue aprovar aquilo que tem um relativo consenso entre o Parlamento e o governo, geralmente medidas de expansão do gasto e criação de novos postos governamentais que entram no sistema de barganhas e trocas do presidencialismo de coalizão”.
Troca na Secom pode não ser suficiente para melhorar a imagem de Lula
Apesar de minimizarem publicamente a rejeição do presidente, o Palácio do Planalto aposta na chegada de Sidônio Palmeira na Secretaria de Comunicação Social (Secom) para mudar a situação. Ele substitui Paulo Pimenta e já atuou como marqueteiro de Lula na campanha presidencial de 2022. Para o cientista político Juan Carlos Arruda, a troca pode não ser suficiente para melhorar a imagem do petista.
Arruda destaca que mudar uma tendência de desaprovação alta exige mais do que estratégias de comunicação. É necessário que os resultados das políticas públicas cheguem de forma concreta à vida das pessoas.
“A percepção popular não é moldada apenas por narrativas, mas principalmente pela experiência cotidiana com temas como inflação, segurança, saúde e emprego. A comunicação pode ajudar a explicar e esclarecer ações do governo, mas, sozinha, não consegue reverter uma desaprovação se os resultados esperados pela população não forem entregues”, afirma Arruda.
Ele também afirma que a Secom pode influenciar, “mas a tendência de desaprovação dependerá, acima de tudo, da combinação entre ações efetivas do governo e a capacidade de comunicar essas ações de forma clara e transparente”.
*Metologia: A pesquisa AtlasIntel foi realizada com 2.873 pessoas, entre os dias 26 a 31 de dezembro de 2024. A margem de erro é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos. O nível de confiança é de 95%.
**Metodologia: A pesquisa do instituto PoderData sobre a popularidade de Lula foi realizada, entre os dias 14 a 16 de dezembro de 2024, com 2.500 pessoas em 192 cidades das 27 unidades da federação. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
*** Metodologia: A pesquisa Quaest foi feita online com 105 entrevistados – gestores, economistas e analistas do mercado financeiro -, entre os dias 29 de novembro e 3 de dezembro de 2024.